sexta-feira, 24 de setembro de 2010

"Algibeira sem forro"

imagem recolhida aqui

“Trazia o Bilhete de Identidade na algibeira de trás. Deve ter caído… o que vale, é que toda a gente sabe o meu nome”

Eram três. Todos com o mesmo nome: Fernando. Aconteceu na passada quarta-feira, dia 22, na antiga livraria Buchholz, na Rua Duque de Palmela, em Lisboa. Fernando Dacosta, Fernando Arrobas da Silva e Fernando Tordo. Um escritor e ex-jornalista [conforme fez questão de esclarecer], um advogado e um compositor/poeta reuniram-se para falar. De quê? Das suas identidades, sem dúvida. Quando se fala do que se sente, do que se pensa, do que se vive[u], será impossível não revelarmos a nossa identidade. Três homens, ao longo de quase hora e meia, contaram histórias, reavivaram memórias, arrepiaram sentires.

O moderador João Morales lançou o mote perguntando onde estava, cada um deles, quando Fernando Tordo venceu o Festival da Canção, em 1973, com “A Tourada”, uma das muitas co-autorias com José Carlos Ary dos Santos. Foi o caminho para se falar da censura, de como a contornar, do que era o jornalismo antes do 25 de Abril, de como era obrigatório estar perante as câmaras da RTP.

Fernando Dacosta alagou-nos com as suas vivências e convivências com grandes vultos da literatura e do jornalismo como José Cardoso Pires, Baptista-Bastos, José Saramago, Raul Rego, Natália Correia. Transmitiu-nos o seu olhar sobre o País actual, sobre a recusa de muitas cabeças com elevado responsabilidade nacional em aceitar que Portugal é um País com muitos séculos de História e com as mais antigas fronteiras no espaço europeu. Fez passar uma mensagem de esperança, crente num povo que tendo sabido ultrapassar inúmeras situações de crise, conseguirá seguramente superar o momento actual que apelidou de ‘pastoso’.

Fernando Arrobas da Silva, recorrendo à sua especialidade, tentou justificar porque o poder judicial passa incólume às mudanças de regime e de ideologias políticas. Mas também contou histórias. Daquelas que estão nos bastidores do que chega à imprensa e conhecimento público. Cativou com pormenores policiais, de direito, mas também de humor. Nas suas próprias palavras, contou-nos uma novela baseada em factos reais e que terão justificado a sua passagem pela SIC, como convidado permanente do programa “Casos de Polícia”.

Fernando Tordo tem, quanto a mim, o poder de encantar e emocionar quando conta as suas ‘histórias’ e levou-nos a recordações dos tempos em que começou a trabalhar com Ary dos Santos, quando há quarenta anos atrás terá ido um dia, ali perto da Duque de Palmela, para ensaiar o “Cavalo à Solta”. Revelou-nos o fascínio sentido pelo poeta quando, ao fornecer-lhe a terminologia das corridas tauromáquicas, Ary dos Santos soube que havia uma figura intitulada de ‘inteligente’. Nas palavras do compositor, o poema terá corrido tal era a vontade de poder ‘brincar’ com o ‘inteligente’. Fernando Tordo põe a vida no que escreve, no que compõe, no que canta, no que conta. Fala de si sem cuidados. Expõe-se. É quase impossível não nos sentirmos tocados pela comoção perante episódios tão simples, mas tão magnânimes, quanto o que narrou sobre um telefonema da sua filha em que lhe transmitia, nesse dia, ter sido identificada com o seu irmão, João Tordo. A felicidade do pai ao embevecer-se com o prestigio que o seu filho vem alcançando.

E foi a cantar os seus filhos que Fernando Tordo encerrou esta tertúlia em que todos os que tivemos o privilégio de estar presentes, encontrámos um pedaço dos Bilhetes de Identidade destes três Fernandos. Como se estivéssemos num encontro de amigos, repartindo cumplicidades.

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