segunda-feira, 31 de maio de 2010

Na embriaguez da saudade


Passas descalça pela longevidade da ausência
e sinto o frio dos teus pés em bagos de saudade.
Colho um cacho de memórias,
vindimadas no intervalo em que as minhas mãos,
cheias de tempo, pisaram a sícera da tua presença,
na qual me embriaguei até mergulhar nesta saudade descalça
da minha pele nua das tuas mãos.


sexta-feira, 28 de maio de 2010

Palavras Mágicas II



Tinha-as debaixo da pele, sob aquela camada com que se protegia para recusar os sentimentos e mostrar aos outros que não era ‘fraco’. Tinha-as escondidas, esquecidas, apagadas por aquele manto com que se cobria para recusar admitir que a emoção pode falar, ele que asseverava ser a razão o caminho único. Até que numa noite, um beijo, igual a tantos outros que trocara, teve um sabor diferente, estranho no princípio, saborosamente diferente sempre que, depois, o quis lembrar. E sem que o percebesse, em cada vez que o recuperou, foi-se despindo e elas, as palavras, acordaram e saíram pelos poros mais ensebados de protecção. Espreguiçaram-se e mostraram que os livros escrevem-se com sentimento e emoção. Os números são a razão. As palavras a magia…




Palavras Mágicas foi um desafio da Mafalda Branco que aceitei com muito prazer.
Transcrevo para a Calçada algumas dessas palavras que fui estimulado a deixar por lá.


Metamorfose dum abraço

© Rolka



Se um dia a lua se cansar de ver nossos corpos enlaçados,
diz-lhe que somos apenas cinzas de memória.
Fujamos nas asas duma Fénix e escondamo-nos,
num abraço fecundo, para além da borda da noite.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Adiar?...


Quando se adia, na incerteza de o dever fazer hoje,
que segurança se julga encontrar para além da vida?

Palavras Mágicas I


© Nic Duncan


Quantas palavras enchem um coração, guardadas nas incertezas, nos preconceitos, na timidez, na insegurança? Até que alguém entra, na procura de abrigo e, esquecendo-se duma pequena fresta aberta, as solta deixando voar punhados de sorrisos, de lágrimas, de magia...



Palavras Mágicas foi um desafio da Mafalda Branco que aceitei com muito prazer. Transcrevo para a Calçada algumas dessas palavras que fui estimulado a deixar por lá.


Não tenhas medo de amar


Não tenhas medo de amar!
Fá-lo intensamente
e de cada momento o derradeiro.
Entrega-te totalmente despida
sem pedaço que reste
e acredita no que sentes.
Não tenhas medo de amar!
Teme cada instante que esbanjes.
Segura-te com as duas mãos
e entra de peito desfraldado
inspirando cada pedaço
semente de novas asas.
Corre, voa, grita, chora, sorri,
amplia, preenche, quebra, constrói,
sê e deixa ser, em ti, o que queres ser no outro.
E não tenhas medo de amar!
Esgota em cada oportunidade
a ínfima partícula de entrega
como se já mais não soubesses, não pudesses.
E se na boca da nova manhã
os teus lábios ainda se encherem de sede,
humedece-os e adia tudo o resto,
pois um novo último dia começa
e tu não terás medo de amar!
Quando sentires saudade da areia
e de novo desejares o mar,
sentir-te-ás repleta e satisfeita
por não teres receado amar!

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Refluxo


Tiro
dos bolsos
as mãos
que enchi
com a tua pele.
Vazios
ficam
os dedos
das impressões
que a imaginação
guarda.
Procuro
no tecido
da roupa
despida,
os traços
desenhados
pelas tuas mãos
vazias
que encheste
com o meu corpo…

E


Chamaste-me
e antes de chegar, eu já lá estava,
aliás, antes de te ouvir eu já partira.
E quando me convidaste, eu fui,
sem querer saber para onde
apenas para estar contigo.
E falaste
de ti, do teu mundo, dos teus sonhos
e eu ouvi
e imaginei-me neles
e quanto mais me contavas,
mais eu fugia
ao teu encontro
para perto de nós.
E fomos e viemos
e ficaste em mim
e disseste… que eu em ti
e eu esperei
e eu quis falar
e contar-te
e chorar
e olhar
e abraçar
e ficar
e esperei
e adiei
e tu não vieste
ou tardaste
mas disseste que me amavas
muito
… e o amor ouve-se?
ou sente-se?

terça-feira, 25 de maio de 2010

Inconfindências


Fora obrigado a estabelecer regras para contornar a sua ‘indisciplina’. Ainda assim confrontava-se, insistentemente, com a sensação de que o relógio corria mais do que o tempo. Só quando os alertas soavam, acordava das viagens ignorantes das horas, e precipitava-se em diabólicas tentativas de ultrapassagem a um tempo que já havia passado.

Quando ouviu as badaladas soarem na torre da sua igreja, fechou os livros que dispersara sobre a mesa, amontoou desordenadamente os papéis, bebeu a água que restava no copo e correu… ignorando os olhares que se activavam sobre ele.

Ao entrar na sacristia, vestiu atabalhoadamente o paramento que lhe fora deixado meticulosamente direito nas costas dum cadeirão. Só os fiéis mais assíduos assistiam metodicamente ao ofício neste horário. Para além disso era regra a porta principal ser frequentemente aberta para a entrada de turistas que espreitavam, observavam alguns recantos e saíam. Eram poucos os que se sentavam um pedaço de tempo nas últimas filas e quase nenhuns os que acabavam por permanecer para acompanhar toda a cerimónia, ou quedar-se em oração.

Com a lista de intenções na mão, abriu a porta, benzeu-se e moderou a corrida em direcção ao altar.

outras inconfidências I   II

Consegues sentir?



segunda-feira, 24 de maio de 2010

Envelhecendo nos sonhos


Tapa-me a boca
para que entre os dedos
não me fuja essa magia
que encontrámos, sem procurar,
nos segredos da adolescência,
abrindo gavetas há muito esquecidas.

Vem comigo enganar-te
na loucura que fazemos arder
como se não soubéssemos
que mais do que cinzas, nada restará
desta fogueira onde perdemos os corações
sustentados em cada abraço.

Não me abras os olhos,
não digas que os sonhos não têm letras,
deixa-me ficar nesta esperança
que só as fotografias envelhecem
e as rugas se desenharão
nas nossas mãos enlaçadas.

Perdidos dentro de nós *



Eram vazias e sombrias as ruas onde se percorria e perdia. Ressoava, no seu peito, o eco dos passos solitários como se um maço industrial trabalhasse a centímetros dos seus ouvidos. No seu peito escorriam lágrimas como a humidade nas paredes afastadas do sol. Sentia ficarem cada vez mais longínquos os passos dum encontro consigo mesmo. Qual? nem sabia. No exterior reinava o conforto, mas era dentro de si que uma pobreza imperava. Diziam-lhe para acreditar, ter esperança, procurar… só que não sabia exactamente o quê. E no meio da sua ingratidão perdia-se naquele caminhar que percorria dentro de si na busca, talvez, dum olhar companheiro, duma mão, duma palavra… de algo diferente, especial, que o completasse… onde permanecesse, cada vez mais tempo, longe daquele lugar vazio e sombrio dentro de si.


* Por vezes cruzamo-nos com sentires alheios que parecem falar do nosso próprio eu, como reflexos do fundo do nosso próprio poço.

domingo, 23 de maio de 2010

Sem julgamento

imagem recolhida aqui

Nunca leves o amor a julgamento.
Condená-lo a regras será correr o risco
de retirar-lhe a vida com que nos surpreende.

Amar, hoje!


Não terei no tempo
a infinitude para doar
à incomensurabilidade deste sentimento.


Não terá este sentimento
a longevidade do tempo
em que se sonha fazê-lo durar.


O coração poderá despedir-se
antes que a felicidade se esgote,
ou o prazer apagar-se
antes que o órgão renuncie.


Quero amar, hoje!
… sem adiar.
E o amanhã...
que seja um simples prolongar
desta urgência que desejo infindável.

sábado, 22 de maio de 2010

Sentido perdido


Que degraus escolher quando o meu caminho perde sentido sem os teus passos?

Na rota dum sentimento


Veleja comigo
por essa estrada de sinais
onde as palavras se perdem
e a velocidade não passa duma ilusão
com que o vento nos provoca o desequilíbrio.

Solta as amarras
dum beijo sem tempo
que se prenda nos meus lábios
e a corrente livre em que mergulhamos
seja o perfume dum sorriso que não se deixe apagar.

Ancora teu olhar
no mapa dos meus dias,
descobre as rotas dum horizonte
onde as lágrimas se entregam em ocaso
e a espera é indelével na luz duma vela por acender.

Aporta teu peito
no desejo de meu abraço
feito de sonhos desaguados
e a realidade se torna cais derradeiro
aonde as vidas se escondem do espectro da separação.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Lugares


Tenho dentro de mim um discreto conjunto de cadeirões onde se sentam aqueles em cujo coração existe um lugar onde me acomodo. São diferentes os seus rostos, as suas histórias, as suas intensidades. O que têm em comum é a existência duma data por mim guardada e em cujas memórias deles eu habito. Quanto mais distante elas perduram, mais confortavelmente se sentam em mim e eu me apaziguo neles.

Mas há sorrisos nascentes que tentam encontrar o seu lugar, enquanto tento perceber que espaço me oferecem. Nesse discreto conjunto de cadeirões que existe dentro de mim, há um lugar que guardo para ti. Assim consigas fazer-me sentir onde precisas que me aloje em ti.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Haverá?...


Haverá prazer que se estenda
para além do fugaz instante em que se o vive?...


Sopra um vento quente


Sopra um vento quente na vela branca do barco que se afasta. Não sabe, o vento quente, se a embarcação se separa se é ele próprio que a impele. A vela branca inunda-se dum laranja que pretende ser dourado, enquanto o sol desce sobre o mar, onde a ilha se aparta. Sopra um vento quente que varre a praia dessa ilha, onde as sombras se alongam distanciando-se do mar. Mergulha o dia na água onde dois seres se abraçaram. Sopra um vento quente sobre o sol que desce do céu para se esconder atrás do horizonte. Não há braços estendidos, nem olhares presos. Há um sabor de final de história sobre a água onde flutuam uma ilha e um barco soprados por um vento quente que não sabe os despegar. Recolhe-se a vontade na distância que se alonga sobre o olhar duma luz que se desencadeia. Sopra um vento quente arrefecendo o desejo de novos pores-do-sol. Adormece a ilha virando-se para nascente. Fecha os olhos, o marinheiro para não saber como nascerá o novo dia. Sopra um vento quente no escuro que abraça as novas horas. E quando a bola de fogo se levantar, numa nova manhã, do outro lado do mar, quem saberá dizer se os sonhos alcançarão o perfil duma mesma vela soprada por um vento quente que a assoprou para a imensidão solitária dum oceano, onde o marinheiro soltou as lágrimas de não sentir, na pele, o arrepio frio da areia dessa ilha onde deitou os seus desejos?

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Na insónia dos sonhos


Quando a ausência se deita na noite, as horas estendem-se numa auto-estrada muito para além dos quilómetros por percorrer. As recordações escoam-se por entre instantes arrastados de vigília e as memórias confundem-se no respirar de sonhos por acordar. Deito o meu corpo na tua ausência e sobra-me demasiado caminho até te alcançar. Oiço o ressoar do desejo na almofada onde os sonhos não conseguem adormecer as horas de vigília.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Inconfidências


As indicações que trouxera permitiram-lhe chegar, sem equívocos, da estação à morada que iria servir de primeiro refúgio nesta cidade onde passava as primeiras horas. Pousara a mala sem a desfazer e voltara a sair, sem noção de para, ou por, onde ir. As ruas estreitas davam-lhe a ideia de estar num bairro muito antigo, tradicional, de baixos recursos, certamente com muita história, com gente de idade muito avançada. Ao acaso, entrou num beco até cruzar uma perpendicular que percebeu descer em direcção a uma rua mais larga. Estava a sair do bairro. Os carros cruzavam-se em dois sentidos, num movimento permanente. A luz parecia irradiar dos dois lados. A sombra que lhe cobria o caminho abria-se, de ambos os lados, em largos de claridade. Passavam turistas de mapa na mão, verificando as identificações toponímicas. Optou por virar para a esquerda. Em pouco mais de cem metros entrava numa zona ajardinada, delimitada por um muro de onde se avistava um mar de céu desaguando sobre as telhas dum areal de edifícios das mais diversas dimensões. Estava num miradouro, no topo duma colina da cidade. Procurou um banco que não estivesse ocupado pelos que procuravam o registo fotográfico da vista deslumbrante, nem pelos que, alheios a ela, se entregavam à leitura dum jornal, dum livro ou duma simples folha de correspondência. Umas pequenas mesas com tampos redondos em pedra, serviam uma esplanada sombreada por árvores que impunham a sua existência e que alguns arrojados raios de sol se permitiam penetrar com júbilo. Soaram, na torre duma igreja que não deveria estar distante, seis badaladas. Captou-lhe a atenção o movimento repentino dum jovem sentado numa das cadeiras das referidas mesas, procurando reunir e transportar desordenadamente os volumes que estavam espalhados sobre ela.

outras inconfidências I

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Que...


Que as tuas últimas alegrias terrenas se insuflem como balões dos sorrisos que deixaste para trás e o sol te prove as memórias que deixas nos que, sem qualquer condição, te quiseram saber feliz…

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Quero ler-te devagar


Quero ler-te devagar
sem acender as luzes que acordarão a madrugada
letra por letra
para que os dias se tornem intermináveis;

Quero ler-te devagar
como sangue que escorre sem saber que irá secar
palavra por palavra
para que o amanhã não se esqueça de nós;

Quero ler-te devagar
sem antecipar as luas que chamarão as marés
linha por linha
para que os olhos não se cansem do teu sorrir;

Quero ler-te devagar
sem sobrepor as estrelas que indiciam novas noites
página por página
para que a vida se abra em renovados capítulos onde me escrever.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Inconfidências


Sentou-se na mesa e estendeu o seu desejo sobre aquela folha branca que já cortejara de soslaio. Como se num acto de contrição fosse explorando a razão daqueles actos e compulsivamente confessando o incumprimento das contenções a que o obrigava uma lei que adoptara como caminho de vida. Escreveu como se o tempo duma vida precisasse ser derramado sobre aquela mesa para ganhar espaço dentro de si, para tomar um novo rumo ou, como devido, afastar-se daquele a que fora incapaz de resistir, mas não sabia se queria esquecer.

Escreveu sem saber se o fazia para se purificar ou se como confidência a partilhar garantindo que o testemunho não se diluiria nas memórias. Jogava palavras sobre a mesa como se fossem cartas dum baralho em que apostara para ganhar, mas sem a certeza de o conseguir. Soltava-as sem pensar. Na realidade, como fora incapaz de fazer quando sucumbiu ao que muitos chamarão de prazer e alguns de tentação.

Obcecadamente escreveu como se as palavras não parassem e atropelassem o cântico que se começara a ouvir como cenário musical inesperado. Absorto não deu pelo tempo passar, nem pelo significado das badaladas que ressoavam na torre da igreja.


segunda-feira, 10 de maio de 2010

No trono do tempo *


Sento-me.
A demora não espera.
O tempo passa lá fora.
Espreita pelo vidro como se apreciasse uma natureza morta.
Olha-me com persistência como se esperasse que o fixasse nos olhos.
Como se quisesse recordar-me
que por mais que o ignore,
ele passa e arrasta-me no seu caminho.
Mas a verdade é que ele corre e eu fico.
Involuntariamente.
Aqui.
Sentado.
Neste lugar que torno trono do meu tempo.
Abro as mãos.
Estão vazias.
Levo-as à boca quando um aroma me acorda o olfacto da memória.
Uma luz entrou dentro de mim e acendeu a esplanada dum novo tempo.
Foi por este caminho que aqui cheguei.
É por essa felicidade que me demoro
nessa espera que tu chegues,
para ficares numa entrega sem tempo,
nesse lugar que te ofereço
diante daquele onde me sentei,
dentro de ti.

* a partir da imagem naquele lugar..., de sonja valentina

domingo, 9 de maio de 2010

Por mais que...


Por mais que me enraíze neste solo
onde os meus passos têm espaço,
há um voo em que embarco indomável.

Por mais que me segure a esta terra
que guarda o paladar do meu ser,
há uma noite irrefreável que me seduz.

Por mais que o dia grite o meu nome
em línguas arregaçadas ao sol,
é o teu que os meus olhos escrevem.

Abandono-me, então, em palavras
com que te enleio como abraço
e das sílabas tónicas faço beijos
depositados como dádiva em teu regaço.

Serpenteio num labirinto de horas
em busca dum minuto no teu peito,
soletro teu nome em loucuras confessadas
para preencher este vazio onde me deito.

E fico à espera que me respondas,
o silêncio é batente no meu coração
num mar ilegível onde te contemplo
com um vento de desejo preso na mão.

Por mais que me enraíze neste solo
é na tua sombra que meu sonho se acoita,
deixo-o ir feito brisa de Verão
em que te enrolas à minha procura.

sábado, 8 de maio de 2010

Jogo de memórias no vazio


Hoje, só tenho memórias
sentadas neste lugar vazio
onde costumo fixar teu olhar
e esquecer que há tantos momentos
onde no lugar em que te sentas
usam acomodar-se memórias
à espera que me olhes de frente
enchendo este enorme vazio
que sempre preencho com memórias
quando nele não vens sentar-te.

Clausura

© steelcity




Deixa-me tomar-te a virgindade dos sonhos
e penetrar nessa bíblia em que te transmutas.

Deixa-me procurar por entre a púbis das dúvidas sem nome,
os dedos que escrevem uma lama de noites
em que, segura, te deitas numa enxerga,
onde amontoas páginas de histórias escritas por outros
e que roubas para iluminar certezas.

Deixa-me ouvir os gemidos dos seios,
esconderijos do sarcasmo que te exalta
e tocar-te nos mamilos dos pensamentos
que se azedam de tão ocultos.

Implora-me e fecunda-me neste compêndio de ansiedade,
roja-me e acaricia-te nesta demora de verdade
e nas dores não arrecadadas, sara as feridas
que em ti não podes encarnar!

sexta-feira, 7 de maio de 2010

A vida na mão

imagem recolhida aqui

Se eu soubesse ler as linhas da mão
talvez percebesse que a vida não é vazia,
assim resta-me esperar que me dês a tua
para sentir que te enches na minha.

Sombras em valsa



Danço num sonho onde não vejo a música. Diante de mim uma partitura ensaia, com esboços de figuras musicais, os passos que meus pés teimam em repetir. Alongo o tempo daquela valsa embebida em reflexos que o sol transforma em sombras. Umdoistrês, umdoistrês, umdoistrês, umdoistrês… há um ritmo sincopado na silhueta dum coração que se esconde na página por virar. Não sei se a folheie, se a desfolhe. Guardo na mão o perfume dessa folha que passou pelo olhar dos meus dedos. Despiu os sigilos no convite que não me fez, mas deixou-me na garganta um desejo engolido, solto nos lábios. Tomo-lhe a mão fria. Inflama-me em sangue num intervalo de beijos sem lugar. E enquanto os peitos se tocam, um ritmo desenha-se na indolência de duas sombras e a música dança num sonho que não vê.




* a partir da imagem entre o ser e o não ser, de Sonja Valentina

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Há um lugar...


Há um lugar onde o sol se põe num céu de luar. O silêncio fervilha na bruma que embala a tarde. A neve arrepia os ramos que se despiram na partida dos bandos de aves que deles haviam feito seu poiso. Há um cenário sem som, pintado pela luz do entardecer. Um ecrã sem limites onde o horizonte se foca na distância do querer. No chão apagaram-se os trilhos de pegadas que ditavam os rumos. A luz desmaia sobre um banco que te aguarda. Senta-te nele, ao lado daquele lugar vazio que mora no meu coração quando te espero. Sente o arrepio de pele que a tua voz acorda no meu nome. E sossega. As folhas quebrarão o silêncio logo que as batidas do meu coração derreterem a neve, em passadas largas, para te marcar o ritmo da noite.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

À porta do amanhã



À porta do amanhã,
paro no teu olhar
e enquanto espero o convite para entrar,
prometo voltar a cada manhã
para me sentar no degrau do teu desejo
e sentir tuas mãos abrirem,
em sílabas de luz,
as portadas do meu olhar.