Eram muitas as palavras
que se acumulavam em linhas e parágrafos e páginas e capítulos que ela lia.
Aglomeravam-se como as pessoas na carruagem onde a manhã corria, sobre carris,
rumo a um destino que parecia comum. Interrompendo a concentração da narrativa
que o autor lhe oferecia, sentiu o olhar a seu lado invadir-lhe as páginas. Uma
brisa há muito não experimentada, tocou-lhe o âmago. Espontaneamente
assegurou-se de que a leitura seria possível a dois pares de olhos. E a
descrição que seguia começou a ser conquistada por um questionar exterior: o que
o levaria a seguir as palavras que em leitura lhe oferecia? Começou a demorar o
virar de página com um espaço de tempo em que adivinhava a leitura dele já
terminada. Sentia-lhe fervilhar, como se a ficção fosse realidade, a
descoberta, a aventura, o desejo. Aos poucos a cidade ia apoderando-se de passageiros
e a carruagem vazando. Com as páginas folheando-se a caminho do epílogo, as
estações guardaram todos os viajantes. Na longa carruagem, agora, só ele
permanecia com ela. Lado a lado, numa proximidade inquietante. Todos os outros
lugares vazios. Desnecessários. No meio dos parágrafos imaginou-se transparente
como a musselina da blusa que trazia vestida. Sonhava! que palavras se
escreviam a partir da sua imaginação e ele poderia lê-las. Dizer-lhe mais do
que as escritas no seu livro e que nesta manhã partilhava, inverosimilmente,
com um desconhecido. Subitamente, ele levantou-se, encaminhou-se para a porta e
na paragem seguinte saiu. Sem uma única palavra, sem um único olhar para além
do que lhe deixara pelas linhas partilhadas, sem rasto. O livro ficou por
concluir… quantas histórias haverá por terminar porque páginas ficaram em suspenso?... quantas viagens se diluem porque os destinos não coincidem?...