Uma calçada para subir com o fulgor da paixão e descer com a convicção de regressar. Um espelho de momentos de contemplação, em que sentado num degrau observo, ouço e sinto privilégios que me sejam concedidos. Um lugar de recato onde semear divagações será a forma de descobrir novos caminhos.
quarta-feira, 30 de dezembro de 2015
No teu ventre
no teu ventre nascem flores
como só aos deuses é possível.
“E aos mortos!”, querem fazer crer…
"na nascente da vida!", asseguro eu,
que lhes conheço a fragrância.
sábado, 17 de outubro de 2015
Anoitecendo
senta-se
na margem extrema da tarde,
na espera pela noite;
quando ela chegar
despir-se-á
até que o seu brilho seja marca
no oceano de breu
que nos fecha o dia.
sexta-feira, 2 de outubro de 2015
Leituras
Eram muitas as palavras
que se acumulavam em linhas e parágrafos e páginas e capítulos que ela lia.
Aglomeravam-se como as pessoas na carruagem onde a manhã corria, sobre carris,
rumo a um destino que parecia comum. Interrompendo a concentração da narrativa
que o autor lhe oferecia, sentiu o olhar a seu lado invadir-lhe as páginas. Uma
brisa há muito não experimentada, tocou-lhe o âmago. Espontaneamente
assegurou-se de que a leitura seria possível a dois pares de olhos. E a
descrição que seguia começou a ser conquistada por um questionar exterior: o que
o levaria a seguir as palavras que em leitura lhe oferecia? Começou a demorar o
virar de página com um espaço de tempo em que adivinhava a leitura dele já
terminada. Sentia-lhe fervilhar, como se a ficção fosse realidade, a
descoberta, a aventura, o desejo. Aos poucos a cidade ia apoderando-se de passageiros
e a carruagem vazando. Com as páginas folheando-se a caminho do epílogo, as
estações guardaram todos os viajantes. Na longa carruagem, agora, só ele
permanecia com ela. Lado a lado, numa proximidade inquietante. Todos os outros
lugares vazios. Desnecessários. No meio dos parágrafos imaginou-se transparente
como a musselina da blusa que trazia vestida. Sonhava! que palavras se
escreviam a partir da sua imaginação e ele poderia lê-las. Dizer-lhe mais do
que as escritas no seu livro e que nesta manhã partilhava, inverosimilmente,
com um desconhecido. Subitamente, ele levantou-se, encaminhou-se para a porta e
na paragem seguinte saiu. Sem uma única palavra, sem um único olhar para além
do que lhe deixara pelas linhas partilhadas, sem rasto. O livro ficou por
concluir… quantas histórias haverá por terminar porque páginas ficaram em suspenso?... quantas viagens se diluem porque os destinos não coincidem?...
quinta-feira, 17 de setembro de 2015
se eu pudesse tocar-te...
se eu pudesse tocar-te
perder-me-ia na sinuosidade da descoberta.
se eu pudesse tocar-te
embalaria em sopros, suspiros e percussões em surdina,
afinaria as cordas que me atam em ansiedade,
as mãos flutuariam entre a forma e o desejo,
e inventaria a sonoridade das gargantas abafadas.
se eu pudesse tocar-te
desafinar-me-ia em cada teu canto,
curvilíneo poema de um corpo por encantar.
perder-me-ia na sinuosidade da descoberta.
se eu pudesse tocar-te
embalaria em sopros, suspiros e percussões em surdina,
afinaria as cordas que me atam em ansiedade,
as mãos flutuariam entre a forma e o desejo,
e inventaria a sonoridade das gargantas abafadas.
se eu pudesse tocar-te
desafinar-me-ia em cada teu canto,
curvilíneo poema de um corpo por encantar.
... e a sinfonia na espera por um compasso desapertando-se.
terça-feira, 30 de junho de 2015
Traz-me
©
Christoph Hessel
traz-me
um abraço de pássaro,
ou um voo.
imensas asas
vergam-se
aos olhares dos homens
deslumbrados
peitos abandonando a
criança
que não nega,
acredita
e vai.
encontrar-nos-emos
nas infâncias escondidas,
nas copas das árvores
contando as pegadas
das vozes levadas
mas por esquecer.
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