quarta-feira, 31 de março de 2010

Gastar o tempo


Gasta-se o tempo no observar dos ponteiros movendo-se imparáveis,
num ciclo repetitivo sem que o destino caiba nas horas que se avizinham.

Espera


São demasiado longas e inconsequentes as horas em que se espera...
por nada.

terça-feira, 30 de março de 2010

Estão todos bem!

imagem recolhida aqui

A que distância fica a realidade do que desejámos, daquilo em que acreditamos?

Frank Goode [interpretado por Robert de Niro] enviuvou há oito meses. Confrontado com a nova realidade, preenche os seus dias cuidando da casa, assumindo tarefas, até aí, exclusivas da sua falecida mulher. Pai exigente, empenhado em proporcionar todas as condições para que os seus filhos vençam na vida, trabalhou anos e anos na produção de PVC para revestimento dos cabos usados nas telecomunicações. As metragens que saíram das suas mãos são o seu orgulho por certificar-lhe o conforto de assim ter criado filhos detentores, hoje, de distintas carreiras. Separados por longas distâncias, Frank planeia reuni-los. Nas vésperas da data marcada, mune-se dos melhores condimentos para que a recepção se torne memorável. Mas inesperadamente vê-lhe anunciadas as impossibilidades de todos o visitarem. Restabelecido da decepção, decide surpreendê-los e parte ao seu encontro. Em cada cidade que visita acaba por ser ele o surpreendido ao perceber que a realidade não é aquela em que acreditara, aquela que lhe fora transmitida. Apercebe-se que, quiçá por força das suas exigências, com a conivência da mãe, todos os seus filhos fizeram-no acreditar possuírem carreiras e vidas familiares distantes da realidade. Refeito do choque, percebendo a insensibilidade que o tomou durante anos, Frank acaba por reconhecer que apesar da realidade ser diferente, Estão todos bem!

Everybody’s fine, de Kirk Jones, confessa-se uma comédia comovente, onde perpassa o desconforto da solidão, sugere a distância e incompreensão que se crava no seio familiar, enaltece o empenho e o respeito, mas acaba por nos mostrar que apesar de fugirmos da realidade, pela escusa de nos magoarmos, teremos de olhá-la de frente e descobrir que mesmo distante do que desejámos e daquilo em que acreditámos, deveremos avaliar os factos pela felicidade que proporcionam. E se assim é… estaremos todos bem!...

Distância


Parecem tão apartadas as mãos que não se tocam
que os olhares já não se adivinham,
ocultam-se no silêncio os espaços percorridos,
esbatem-se na saudade as pegadas repartidas.
Há um voo soprado de gaivota
no vento que afasta o navio da margem,
um adeus indesejado dissimula-se nas nuvens cinza
que vendam o sol onde o sorriso brilhou.
A vontade é âncora fundeada
nas memórias desfibradas pela distância que o tempo arrasta.
E o coração fica à deriva por entre vagas erosivas
que lhe desvendam um mar de solidão.
Perdem-se os passos partilhados
nas marés intrometidas que separam as mãos
e desviam olhares pelo horizonte do esquecimento.


Ardem-me os olhos...


Ardem-me os olhos…
não sei se é do sol
se das lágrimas,
o primeiro não sei onde brilha,
as segundas teimam em não cair.

Talvez seja do nó na garganta
que me salga a solidão
e ressique a tristeza…

Ardem-me os olhos…
mas não vejo
a luz aberta feita caminho,
onde o pranto se evapora
no raiar dum novo dia.

Perdido...


Perdido de mim próprio
quanto mais me movo
mais me isolo,
já não avisto terra
nem sei onde nasce o sol…
Paro
e fico sem saber onde estou.
Perdido de mim próprio
ou do Mundo?
Onde fica a realidade?
Sonhei ou acreditei?
Que vazio me rodeia
nesta imensidão de tempo sobrante,
parece cada vez maior
o caminho para chegar…
onde?

segunda-feira, 29 de março de 2010

Pergunta com data[s]



Será que aquele dia sem data marcada,
pelo qual espero num constante adiar dos dias,
terá data para chegar?
Ou será uma data,
sem data para viver
e a minha esperança uma contínua ilusão
de a fixar no meu calendário,
como o principio dum tempo onde permanecer?

Lago sem tempo


Quando o tempo corre sem destino,
alaga-me o peito a desfocagem da outra margem.


Istmo


© eintoern


Quando a saudade invade o continente deserto onde permaneço,
procuro nas palavras a saliva que me humedece o coração
e avivando memórias torno-me istmo para a ti chegar.


domingo, 28 de março de 2010

Segredos guardados



No tronco do meu peito havia um esconderijo, onde todas as noites, um mocho me roubava silêncios para usar como resposta aos enamorados que o abordavam. Hoje, quando as palavras me sufocam em apneia, corro desesperado em busca desse sábio que dizem ter sido raptado por alguém guardador dos segredos do meu coração.

sábado, 27 de março de 2010

O tempo e eu


O tempo é uma corda que trepo até ti chegar,
partículas que se esfumam na [im]permanência do estar,
um oceano sem limites que as asas demoram sobrevoar
… e eu ilha esperando a tua vela avistar.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Esboço de ti

© kadox

Numa página cândida,
traço com um lápis branco
o esboço do teu corpo.

Para que só eu saiba onde te toco,
para que só eu perceba onde te contemplo,
para que só eu atinja onde te gosto,
para que só o meu olhar beije a pele onde te quero.

Desenho-te tal e qual
como te vejo,
como te sinto,
como me delicio contigo.

Só eu sei
quando largas o meu espaço,
sais da minha imaginação
e te tornas espectro
nesta página cândida,
onde te apago com meus próprios dedos
para não te ver partir…

apenas sentir…

Para onde caminho?


Diz-me para onde caminho…
nestes passos sem rumo,
de olhares perdidos
como pétalas esquecidas sem ramo.

Diz-me para onde caminho…
nesta sensação que ao fundo há sempre noite.


Vem! Diz-me…
que no amanhã há uma porta
de chegada.


E que são apenas um deserto
estes dias de eternas despedidas.

Diz-me que é apenas ilusão
esta sensação de vazio
em que caminho sem solo,
sem ficar…


E saio em constantes partidas,
contínuos adeus
a caminho da solidão!

Caminhada


São tão longas as caminhadas para que amanhã seja deserto...

quinta-feira, 25 de março de 2010

Naquela tarde


Naquela tarde
o olhar dela parou
voando ao encontro dum abraço
vivido no passado
mas que urgia sentir no presente.

Naquela tarde
o passado,
num súbito instante,
ficou patente
como se a distância estivesse tão perto
e a ausência tão presente.

Naquela tarde
as asas roubaram-lhe a realidade,
um tumulto acendeu-se-lhe no peito
e não teve mais forma
de evitar o regresso.

Naquela tarde
o seu presente foi passado
e seu caminho
uma colina que subiu
para ficar mais perto da eternidade.

Seguiram-na as aves
para assegurar o retorno ao presente,
longe da memória,
abraçada na saudade,
mas onde mora a vida.


Por vezes... sinto-me assim


Por vezes sinto-me receptáculo a quem arrancas uma pétala, para depois roubares outra, em laivos travessos de paixão… e eu, no brilho primaveril volto a repô-las ansioso pelo teu regresso. Outras vezes sinto ser fruto trincado no desafio dum olhar ébrio de desejo. Por vezes sinto-me pele arrepiada, quando a tua passas na minha, como esteiro experimentando na margem terrenos por invadir. Mas… tenho medo de alguma vez ser tronco despido de Outono, desfolhado pelo esquecimento de quem parte à procura dum novo sol, atraído por paisagens a conhecer, desperto pelas essências duma fragrância que é novidade. Então determino querer queimar no incêndio ardente de hoje e transformar-me em cinzas, onde as pegadas da tua memória se esgotem na procura de me reencontrar.

Partidas


Muitas partidas implicam perdas. E se as há fruto de decisões assumidas, outras são-nos incontroláveis. Doem mais as inesperadas ou mesmo as que ainda saibamos irem um dia acontecer, se tornam irrevogáveis. Consequência de algumas delas, a saudade abraça-nos na falta. Guardam-se memórias, encetam-se regressos nunca iguais porque algo mais não é do que lembrança. Porque há partidas que não nos oferecem possibilidade de discussão, que não conseguimos evitar, cabe-nos evitar outras sobre as quais temos domínio. Talvez nessa permanência consigamos, nunca a substituição, nunca a compensação, tão só o conforto de poder evocar o que conservamos perante um olhar invisível, mas que sentimos presente, de gratidão por nos perceber[mos] felizes.

Na ausência do olhar


Há dias em que o Mundo aparta a distância intocável e ficam mais afastados os olhares que não se vêem. Espreitas o tempo como quem chega à janela para saber notícias desse Mundo correndo na perpetuidade dum movimento que as tuas mãos não seguram. Fogem-me os caminhos desse olhar que me guia, nos percursos dum mundo que me ofereceste. Estilhaça-se a transparência da certeza em voos picados cujo itinerário não alcanço. Seguras-te a um pilar que só a ti pertence e ficam mais ausentes os meus dedos, dessa janela do teu peito onde ontem desenhara vitrais da minha felicidade.

Madrugada no peito


No vidro da janela escorrem gotas, cujo movimento meu dedo acompanha a uma curta distância suficiente para não lhes tocar, 


Fluem lágrimas no teu rosto que o meu olhar não pode seguir
mas que traçam feridas no meu peito, por não as saber curar…

Um desejo


Que o silêncio em que te enterras não seja armadilha onde se afogue a vontade de te dizer o que sinto!

quarta-feira, 24 de março de 2010

Escrevo-te...


Escrevo-te para tentar descrever-me,
escrevo-te para tentar me mostrar,
para que saibas o que me acorda, o que me fere
e o que me sara essas chagas que o amor lavra
e o que me mutila quando a saudade fica.



Escrevo-te para tentar dizer
detalhes que as palavras esquecem,
acrescentos que os sorrisos encobrem,
sentires que as mãos sufocam,
desejos que a língua enrola.



Escrevo-te para tentar despir-me
e na minha nudez vejas o vidro que me cobre
e o entendas tão transparente quanto a sede
e o percebas tão frágil quanto a minha resistência
em calar a verdade de que só quando me desnudas
e a tua pele se faz mar para nele me descrever
o sentimento consegue dizer
a impossibilidade de te escrever tudo o que sou
por te amar!


Carta de espera


Cansa-se-me o olhar de fixar o horizonte na espera de descobrir o mastro do teu sorriso por entre os troncos de dúvidas com que foste enchendo o tempo. Serenaram as águas onde o vórtice da paixão criara marés na calmaria das horas. Pouco mais sobram do que reflexos, sombras, ecos no vazio com que o dia me esquece. Calaram-se as palavras, secas pelas sementes de desprezo que soltaste no abandono das noites. Arde, cada vez mais distante, o fogo em que cri acreditarmos, brasas que foste esquecendo atear conforme a tua margem, mais ausente foi ficando da minha paisagem. Esvaziou-se de pegadas o caminho onde trilháramos os passos que quisemos fazer uníssonos. Até as aves parecem ter mudado o rumo enfadadas de nos deixarem asas para os nossos sonhos. E apenas o fumo que ao cair da noite começar a soltar-se na chaminé daquela casa, me acalentará a esperança de que vida só se apaga quando desistir for o verbo a conjugar.

terça-feira, 23 de março de 2010

As minhas mãos hoje


Quando minhas mãos fecho,
aperto um vazio que me sabe a ti


Não sei viver no silêncio


Não sei viver no silêncio que me despe
o fogo em que o coração arde
quando as tuas mãos são janelas abertas
e o teu peito cheira à infusão de ervas
colhidas no chão que te desvendo.

Não sei viver no silêncio que me cala
as palavras perdidas de significado
num olhar despojado e sem horizonte
quando só o branco do algodão repousa
nas páginas vazias esquecidas da tua pele.

Não sei viver no silêncio que me morde
as horas errantes duns lábios lívidos
empedernidos no arrefecer das bocas 
soçobradas na noite invasora de dúvidas
sulcando um vale entre dois corpos.

Não sei viver no silêncio que me veste,
de tristeza, um coração que não vê
para além do que sente e acredita
como verdade arraigada num sentimento
que precisa do presente para viver.


Perdido no tempo


Planto-me neste vazio das horas
não sei se aguardando o tempo
se à espera de alguém…
e vou-me esquecendo de mim
na insistência dos dias quererem te pertencer…

segunda-feira, 22 de março de 2010

O sabor da memória


Quando o olhar me lambe a memória com a mesma língua que passei na tua pele, há um sabor doce na saliva, qual espuma que se espalha sobre as pedras escondidas entre as rochas. Cobre a neblina a voz da maré, como a vontade se inibe na luz do dia. É a razão farol timoneiro de avanços calados nas mãos e esmagados pelos dedos. Abraço-te o corpo na solidez de cada penedo. Partem em sonhos histórias onde voaste e prendo-te no calor com que te faço tarde derretida seduzindo recifes. Aspergem-me em dúvidas as vagas desconhecidas em que te adivinho. Que serei eu mais do que porto ansiando a tua chegada de embarcação atracada confirmando o lastro? Não sou luz, nem norte, tão só horizonte onde a verdade e o sonho se tocam. Quando a noite transpôs o tempo, os passos ousaram chegar mais longe e os corpos dobraram o cabo. O desejo ergueu-se sobre a referência iluminada e os olhos da razão foram vendados pelo tocar das mãos nas muralhas da resistência. Soltaram-se os mantos para exalar o sal da pele e o fogo abraçou a ondulação. Uma língua de mar toca na minha memória e há um odor de ti na praia duma história em que me escrevo.

domingo, 21 de março de 2010

Declaração


Deixa-me dizer que te amo
repetidas vezes
como se fosse a primeira.

Deixa-me dizer que te amo
para que o ouças,
que o leias,
que o sintas.

Deixa-me dizer que te amo,
uma vez mais,
pois nunca saberei
qual será a última.

Deixa-me dizer que te amo
antes que as palavras se gastem,
antes que o amor adormeça,
antes que a vida se esgote!


Talvez um dia


Talvez um dia
o amor acorde sem horas marcadas para viver
E o teu olhar seja horizonte onde o meu se reflecte
E as minhas mãos sejam rede, no regresso duma faina repleta de ti
E as palavras se dispensem porque até nos silêncios te oiço
E a imaginação se confine à escolha de onde lavrar carícias
E as vozes se calem porque os sentires gritarão
E os caminhos serenem porque os passos se unem
E o abraço seja um nó onde as sombras não se distanciam
E a vontade seja esteira do nosso permanecer
E o amor durma por saber que nela estaremos ao acordar

Ou talvez um dia
o amor acorde sem ter chegado
a ter horas para viver…

sábado, 20 de março de 2010

Adiar os dias


Adio a tentação;
posso questionar o sentimento,
mas não tenho como parar a emoção.


Um quarto dentro de mim *


Descobri, dentro de mim, um quarto por onde entra a luz discreta dum sorriso, como um feixe de poesia que aparta o ar e corta a pele. E nesse quarto há um céu onde o silêncio fala em ramadas de estrelas, presas no tronco imaginário dum corpo que dispo com o desejo do mar. E não se ouvem ondas, apenas o respirar das mãos nos dedos viajantes em busca das horas duma tarde onde acordar. E dentro desse quarto há uma constelação de cedros onde as luzes se projectam nos lábios acesos de sede. E os pássaros são bandos de certezas planando sobre um leito onde adormece a inquietude da paixão. Lá fora há um dia estendendo-se no esquecimento do tempo. E os teus braços são uma cortina de linho com que me fechas dentro deste quarto, onde moras.


* a partir da imagem Quietude, de Sonja Valentina

sexta-feira, 19 de março de 2010

A Single Man de Tom Ford


‘Acordar é ser… agora’. Numa manhã, um homem acorda com a decisão de reagir à incapacidade de esquecer a perda do seu grande amor. O passado desenha-se em retrocesso a partir do presente. Esse hoje em que ‘só os loucos poderão refutar a verdade de que o agora nada mais é do que o agora: é uma lembrança fria. Um dia mais do que ontem, um ano depois de há um ano atrás e que, mais cedo ou mais tarde, chegará’. A história desse homem vai sendo revelada perdendo proximidade com esse hoje. Esse agora em que pensamentos descarnados se mesclam com a personagem que todas as manhãs veste. Uma viagem lenta no tempo, nessa contagem de horas em que se arrasta à espera que o ponteiro se mova. Deixa-se comandar pelo relógio. Desistiu de ver o futuro. Ficou à espera que ela chegasse. ‘A morte é o futuro.’

Ao longo dum único dia conhecemos a vida do professor catedrático George Falconer. Na duração dum dia acompanhamo-lo na organização do puzzle da sua vida. Adivinhamos a sua decisão para desistir de esquecer quem lhe foi, inesperadamente, roubado.

Mas… talvez todos tenhamos um anjo-da-guarda. George teve-o. Um alguém que nos protege, que nos ilumina caminhos, que nos afasta da descrença.

Em A Single Man, de Tom Ford, são-nos mostrados a força, a dor, o sofrimento, a implacabilidade do amor personalizados num homem homossexual. É-o, contudo, de uma forma tão depurada, tão crua, tão sensível que nos assegura que a verdade do sentimento amor não tem de diferir em função dos seus intérpretes.

Tom Ford, na sua estreia como realizador e em que conta com deslumbrantes composições musicais de Abel Korzeniowski, tem a arte de nos proporcionar constantes e sucessivas surpresas ao longo de todo o filme. São frequentes os afastamentos dos caminhos para os quais nos havia parecido convidar. É assim até ao último instante. No dia em que George Falconer decidiu voltar a olhar para o futuro, eis que ela chega por vontade própria.