sexta-feira, 29 de abril de 2011

Poema para depois


O teu silêncio
grava-se-me em palavras,
na página da tua ausência
escrevo um poema
que deixo nos lábios,
em forma de beijo,
na esperança de que em tempestade,
amanhã,
o venhas recolher…

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Uma Coisa em Forma de Assim




Nove coreógrafos escrevem, cada um, o seu conto. Assim… como se fossem sílabas, juntam gestos, ora em narrativa ansiando um epílogo, ora como um poeta que utiliza a dualidade deixando ao leitor a opção do significado. Um compositor percorre, nas teclas dum piano, trilhos que esboçam horizontes. Assim… como se idealizasse casas onde o movimento habitará. Umas de soalho quente onde os passos desvendam o pulsar do coração, outras de paredes naïf onde se reflectem olhares inventados, outras ainda com lume onde incandescem inspirações que não se seguram nos limites físicos. Nove coreógrafos e um compositor reúnem-se num palco. Assim… como se tivessem de matizar uma mesma tela. Os corpos são paleta, pincel e tinta. Os corpos são folha, caneta e palavra. Os corpos são partitura, nota e som. Os corpos são emissão, eco e silêncio. Dez autores e dezasseis intérpretes desenham sem forma. Assim! Uma coisa… em forma de assim. 

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Amanhã



Há uma vontade
- conjugada no futuro –
a que me colo,
como memórias
que me constroem…

cubro-me
com camadas duma pele
onde te escrevi
destino renovado
que teimei não despir…

amanhã sinto frio
… sem ti.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Verso e sangue


Canto a dor que a veia sente
quando o sangue é verso
sem estrofe que o receba;
Canto a mágoa da correcção
perante a impotência
da imperfeição obstinada;
Canto este ser que não sou,
ou não sei saber que sou
estrofe imperfeita correndo
na veia incorrigível e impotente
dum verso magoado sem canto.

sábado, 23 de abril de 2011

Soubesse eu



Soubesse eu...
que teus sonhos seriam folhas
cobrindo meus ramos desnudados
e tornar-me-ia árvore
enraizada na tua vida,
numa mesma estrada,
contigo...
de troncos dados.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Frio



Moro num pensamento
entre a vontade e o abandono,
vela hasteada ao vento
desgarrando o fulgor da alvorada
ou no êxtase do pôr-da-vida a que se prende…
voo entre as palavras e um verso,
o nomadismo do explicável
e a raiz virtual da ilusão…
paro em continuidade
neste avançar que me permanece
cartografia de datas sem calendário
que me tomam como barómetro
e eu simples pensamento
vagueando entre a resposta desejada
e um poema aturdido pela solidão…

terça-feira, 19 de abril de 2011

Batidas


Ouvi-as bater
como sílabas na cadência dum poema,
gotas no marejar da dúvida,
excertos de vida por compreender.

Ouvi-as bater
como pancadas em chamamento,
reclamações dum futuro que tarda,
anúncio do navio em partida.

Senti-as
como folhas trazidas pelo vento,
espigas gradando para a ceifa,
lírios abrindo-se em trilho a desbravar.

Senti-as
como tempestade que me abranda,
maré crendo em caravela absoluta,
vida contínua batendo no peito.

Guardo-as… em fragmentos de espera!

domingo, 17 de abril de 2011

Pensar vespertino



Perdi-me na sombra dum alpendre
enquanto o sol se punha
e eu delongava-me na espera
de ver teu olhar correr a planície
para vir rasgar-me a noite
despindo-me as palavras
e do teu abraço fazer poema.
Balouçaram-me as horas
num ritmo de esquecimento
adormecido
até que a madrugada me gelou o peito
e na lareira apenas restavam cinzas
de memórias sem esperança
de voltarem a ser Primavera.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Extinção



Nubla-se
o sonho que fiz céu,
palco de distância adiada,
devoto querer ilimitado.

Clareia o turbilhão
que me invadiu o coração
e fez cinzas da solidão,
incendiando a cada dia
a fogosidade para o amanhã.

Falta-me
a voz que fiz guia
cobrindo de versos o chão,
num cântico de vindima
com que enchi o cesto da emoção.

Faço do silêncio
este permanecer sôfrego
como quem se arrebata
ao suspiro próximo,
ignorando poder ser o derradeiro,
enquanto a sombra se dilui
no céu extinto
onde o voo perde destino.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Rotas de fogo

© Branka Kurz

Há no teu corpo
ruas e avenidas
que meus dedos correm
em desvarios coordenados
pelo raiar da manhã...

Deixas na minha pele
uma cartografia de carícias
legível no eco da noite,
qual tatuagem exposta
pela remoção do linho cândido
quando o abraço transborda
para a nudez que nos cobre...

reproduz-se a luz
nos corpos contemplados,
incendiados pelo tacto
em rastos de moradas apagadas
onde em entrega se habitam.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Lábios de asas


Primeiro
faço das tuas asas
lábios,
enlevo em que me levo
até à porta do beijo
primeiro…

depois
faço dos teus lábios
asas,
êxtase em que me amarras
até que em rocio te desfechas
depois…

rompo-te, então, com meu voo
a acoitar-se no teu ninho!...

sábado, 9 de abril de 2011

Pousar


Pouso sobre o teu sono
o momento baço dum olhar
como se o meu fosse uma lente
exsudada pelo vapor dos teus lábios,
esses… permanecem fechados
alquebrados no encantamento duma tela
tentação de quem ousa sabê-los reais,
autênticos são teus cabelos
alinhados na serenidade da quietação
como a mão que pousas no espaço
que tornas meu quando me abraças
e adormeces em ti o receio de te pousar.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Voo [de ida]


Dei-te a liberdade
de não me pertenceres…
e o teu voo foi tão longe
que deixou de ser abrigo
o coração onde te abracei
antes de cada adormecer.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Aspergir palavras


Gotículas de palavras
escorrem pelo poema,
traje de um corpo
que desnudas para ser meu,
há réstias de orvalho enfriado
desordenadas nos meus lábios
na espera que a tua língua
venha provar o eu que se escreve.

domingo, 3 de abril de 2011

Uma palavra



Talvez desvario,
talvez ilusão,
favo de mel
no mapa secreto do desejo,
talvez um beijo,
talvez um sonho,
querer suspenso
num ápice antes da alucinação,
quem sabe se a palavra
segurando a distância
que separa a união das nossas bocas…

Muros



Tijolos de silêncio erguem um muro que venda os olhares,
goram-se impulsos de corações instigados a calar…


sexta-feira, 1 de abril de 2011

Vestes



Fala-me do degelo das vestes
quando a noite te despe
deixando dispersos pelo chão
odores melados duma pele
onde o meu corpo começa.
Denunciar-te-ei rotas de sémitas,
esconderijos de respiração tensa
que intento lavrar no teu peito
em socalcos de desassossego
quando em teu lume me vestes.


Ébrio de solidão


Há um licor de solidão
a escorrer na noite que me adormece,
provo-o
num trago que me engole
e embebeda,
sabor acre que me invade
o leito adocicado
moldado, hoje, na intimidade ausente de corpos
e onde uma simples lágrima seca
meu corpo ermo
despovoado do teu…