domingo, 30 de janeiro de 2011

'José e Pilar'

imagem recolhida aqui

Quatro anos na vida dum génio. O tempo de uma viagem. A de um elefante. Para traduzir, num documentário, o tempo de escrita dum livro de José Saramago, o realizador Miguel Gonçalves Mendes terá recolhido infinitas horas de película que resumiu em cerca de duas horas e meia. Se muitas das cenas são de momentos incontornáveis, como lançamentos, exposições ou homenagens, outras apenas são possíveis por um acompanhamento muito cerrado ao quotidiano íntimo de um casal que abriu as portas da sua residência, das suas divisões, mas sobretudo dos seus corações. José e Pilar mostra-nos a sucessão de dias de organização de agenda dum homem que já passara as oito décadas de vida e que chegara à profissão de escritor apenas duas atrás. Permite-nos entrar na dedicação duma mulher, à vida do homem que ama, abdicando, em muito, da carreira que fizera sua. José e Pilar expõe-nos as convicções de dois seres que, em algumas situações, se opõem com perseverança a crenças de muitos que os rodeiam. Fazem-no por convencimento, por doutrina, por estratégia, por insegurança? Fazem-no! Demonstram-no! Assumem-no! Como ao amor que os liga e guia. Dois seres que se necessitam e por isso se amam. E porque o documentário é pleno de espontaneidades, a prova desse amor fica mais transparente e mais consolidada. Intermitências da Morte foi o livro que me convenceu a ler Saramago. De seguida li-lhe As pequenas memórias. Contudo quando o fiz não valorizei a dedicatória do mesmo: “A Pilar, que ainda não havia nascido, e tanto tardou a chegar”. Os mais cépticos poderão sempre relativizar a verdade destas palavras. José e Pilar prova a sua genuinidade!

sábado, 29 de janeiro de 2011

Cálice de luz


Na distância do Verão
silencia-se o sorriso,
longínqua dúvida
soprando o esmorecimento da vida.
Uma leda melodia
esboça em quietude o voo das nuvens.
Resguarda-se o olhar
no remanso do medo,
mergulham afundadas as estrelas,
sombras dum sacerdócio descrente.
Escorrem palavras pelos degraus
cobertas por um véu de delírio
e num cálice de luz
bebe-se uma réstia de esperança…
talvez amanhã chegue a Primavera.




* a partir da imagem mesmo que nada reste..., de sonja valentina

Intensidade[s]


Tão intenso será o fogo em que nos entregamos
que, impercetivelmente, em cinzas nos desfaremos
e dispersaremos.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

À espreita


Tão repleto pode ser um beijo de amor,
tão cheias podem ser as bocas dum beijo,
tão profusa poderá ser a descoberta
que encha um beijo à espera duma boca…

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Leitura


Não sabia das palavras o significado,
mas adivinhava nos versos
a razão do olhar!

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Invés


Na elegância da claridade
o rio espreguiça-se em penumbras,
respiração da manhã envergonhada
ainda estirada sobre a madrugada.
Espadas de luz rasgam a noite
pelo veludo lavrado das peles,
acoita-se evadido o sono
na delicadeza reflexa onde os corpos se deitam.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Beija-me


Vem beber nos meus lábios
a sede que faz da tua boca,
fonte!

sábado, 22 de janeiro de 2011

Requiem para uma partida *


Quanto mais nos entregamos
menos nos pertencemos.
A vida escoa-se
nos pedaços em que nos doamos.
Iremos irrecuperáveis
a cada partida,
até que na derradeira
mais não seremos do que cinzas
teimando em erguermo-nos
como tronco por arder.

* para a Becas

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Murmulhos desnudados



Escrevo-te de bruços,
deitada sobre as palavras
com que desenho murmulhos,
desafio deixado pelas ondas
na tarde de apresentação ao mar
e o oceano se espantou
com o rebentar dos lábios
encontroando o rochedo dum beijo.


Sonhar


Há dias em que as mãos são demasiado pequenas
para nelas segurar todos os sonhos que desejo depositar nas tuas...

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Antecipação


Quero limpar a alma,
varrer réstias de silêncio,
arredar memórias de inquietude...
Por isso escrevo
nas paredes do coração
e deixo-te cigalhos de versos
que guardarás num palheiro,
degredo da saudade
onde, um dia, nos incendiaremos…

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Noitecer


Feiticeira das noites
cobriste de veludo minha pele
desfazendo em carícias
um poema estendido
em arrebatamento adiado,
abriste o caminho da mina
onde me sitiaste em sedução
e cativo derreti em mel
no alvéolo de teu corpo,
jazigo incessante do meu noitecer.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Confidência


Já não desvendamos, hoje,
as esquinas da surpresa,
já não nos tremem os minutos
antecedentes do próximo encontro
e a magia ficou guardada
na cartola das linhas primeiras.
Todos os segredos foram revelados
no desvelo cego da paixão,
conheço cada bago da tua volúpia,
sabes como vindimar-me cada arrepio.
Se em tua vontade permaneces
incógnito sigilo que me atalha,
uma derradeira confidência guardo
no baldio secreto da intimidade,
o de desejar morrer
no lugar-ressurreição da vida:
o teu corpo!

domingo, 9 de janeiro de 2011

Depois



Na amálgama das horas procuro o amanhã. O calendário diz-me ser depois do hoje. Mas não sei onde fica. Só do hoje tenho a certeza. E desse tempo passado que se escoa com a chegada dum novo tempo. Dizem-me que poderei correr para amanhã e recuperar o ontem. Será? Talvez o amanhã não chegue… nunca! E por isso choro, esse amanhã que não aparecerá. E, no sufoco, digo-te, hoje, que te quero amanhã. Mentira? Ilusão? Fraude? Dissolvo-me no tempo para nele me confundir, sem que perceba que quero ir com ele. Até amanhã. Na transpiração desta dúvida se amanhã _ talvez! _ lavarás com as mãos de quem cala com a certeza, a dúvida do passado. É que amanhã, o hoje será passado. E se eu te tiver comigo amanhã, será porque conseguirei recuperar o passado. Que é hoje…

É!!!


Silencio será todo o tempo que corre
sem que por mim passes.
Silêncio será sempre a vontade,
embargada na garganta,
de te gritar: presente!

sábado, 8 de janeiro de 2011

No perder dos passos


... e assim se perdem meus passos
na solidão do teu silêncio,
logo hoje
em que as palavras de ontem
correram da fonte
onde das tuas mãos bebi a água,
tua dádiva,
para não me perder no deserto.

Paixão



PAIXÃO é aquele período de magia em que acreditamos o outro representar a perfeição esculpida que nós nunca teremos tido capacidade de ser.
... mas que almejamos!


Extinção


O fogo pode ser mais forte do que a água
mesmo depois das chuvas poderá reacender,
porém, no frio, será difícil manter as brasas incandescentes
e no esquecimento nem as cinzas resistem à mais leve brisa...

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Em tempo de seca... *


Vem dar de beber à minha escrita
estigma dum reino eremita
erigido na mancha dum coração que emudece.
Dá-me palavras que me rasguem os sentidos
e acendam raízes neste abrigo
esconderijo da sede em tempos de solidão.
Encosta a boca no meu peito, escuta-as, recolhe-as
como aos derradeiros grãos banhados pela maré
e deixa-me morder as suas peugadas
ecoando nos teus lábios…


* estas palavras são dedicados a TODOS quantos, com a sua paixão, o seu amor, a sua felicidade, a sua ternura, a sua amizade, a sua dor, a sua escrita, as suas imagens, os seus traços, o seu olhar me inspiram e motivam o meu escrever!

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Fronteiras do silêncio

Escrevo o silêncio
no vale em que a alma se recolhe
e os poetas desenham labirintos
por onde os sentimentos correm.
Deito-me na sombra dum voo
na espera de ser
poente do teu olhar…
adormeço,
e encontrando-te em promessa
escrevo um oceano de arrepios
na tentação da tua pele
onde a vontade me amordaça.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Degustação


Passo a língua pelas palavras
que na saliva ainda têm teu sabor,
sinto-lhes o verbo
na conjugação irrevogável,
provo-lhes o pouco que faltou
quando no teu regaço
meus braços balouçaram
um olhar suspenso no prolongar das mãos,
nas sílabas húmidas dos segredos
sinto-a leme trilhando teus lábios
e desbravo o silêncio
para perecer verso
na boca em que me mordes.


terça-feira, 4 de janeiro de 2011

À deriva no silêncio


Fico à deriva nos mares de silêncio,
na espera da ondulação que não chega,
perco-me da rota onde és porto,
nem sei mesmo se ainda o serás…
ao sabor de qualquer tempestade,
só o vento será bússola
para este meu sobreviver em naufrágio.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Traição


Esta noite traí-te…
deitei-me com aquela mulher
que afoga o meu corpo
no mar do seu desejo
e me dilui um beijo
na larva vulcânica de sua boca,
pedi-lhe que os seus lábios
me sugassem a pele arrepiada
e que seus dedos voluptuosos
explorassem a floresta de meus segredos.

Esta noite traí-te…
deitei-me, de novo, com essa mulher
que fugiu de ti,
que se veste com as minhas memórias,
que se cobre com um manto de cânticos
sinonímia deixada por minhas mãos
nas preces de abraços em ti despidos.

Esta noite fechei os olhos
e traí-te com aquela mulher
em que um dia chegaste…
Na mesa de cabeceira
enche-se um copo
com sede de ti…