quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Adágio.S



Existe infinitude
no adágio que acorda a manhã…
escrevo, sem ponto final,
a linguagem ponte de afectos
na inefável obstinação
de escrever sem o viver
ou de o fazer para estar vivo.
candura do querer ser eterno
como as palavras sobreviventes
muito para além do dia
cessando no adágio do entardecer.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Sangue do meu sangue


O cinema português, por vezes, permite-nos alertas que valorizam a escassez de meios com que trabalha. As restrições de recursos e as limitações orçamentais para produção ‘obrigam’ a criatividade; em vez de se conceber a janela desejada e engrandecida, há que explorar a[s] forma[s] diferente[s] de olhar para uma janela comum, quiçá cansada de tanto ser olhada.

Em Sangue do meu sangue, de João Canijo, não é argumento - por infelizmente terem entrado na nossa rotina as surpresas que o deixam de ser e as desditas a que nos habituámos - que nos prende nos 140 minutos de duração. São alguns pormenores técnicos, a que o realizador repetidamente recorre, que nos prendem e acabam por se transformar marca do filme. Detalhes que se constroem sem meios especiais, apenas usando a já referida criatividade, a imaginação e o cunho pessoal artístico.

São planos que concedem prioridade ao pormenor, focando detalhes eleitos com minúcia em detrimento de tudo quanto os rodeia. Importância que lhes é reforçada quando esse detalhe sai do ângulo de visão e tudo o que fica permanece carente de nitidez.

Um segundo pormenor é a quase ininterrupta permanência de uma ambiência sonora combinada com o som da cena tida como principal. Uma necessidade de alertar para a impossibilidade de apagar sons que nos rodeiam, se somos elementos dum universo onde não estamos sozinhos. Sons e ruídos que talvez não valorizemos, mas que existem e persistem para além da nossa escolha. A intenção de mostrar que os sons têm vida para além da nossa voz.

Porventura, com a mesma intencionalidade, Canijo recorre a planos que revelam mais do que a cena que teríamos como a principal. Planos que nos mostram a sobreposição de cenas e nos chamam a atenção para a relatividade que poderá ter o que consideramos mais importante. Para lá da janela que queremos observar existe um outro drama tão ou mais forte do que aquele que vive para lá da parede. Para lá da montra vive a intensidade dum sentimento tão ou mais verdadeiro do que aquele que nos é transmitido do lado de cá do vidro. Na divisão contígua a dor é tão insuportável quanto a que adivinhamos para lá da ombreira da porta.

Seremos muitos os fascinados pelo ritmo do cinema americano, pela sua capacidade de ficcionar o real, transportando-nos inúmeras vezes para um patamar imaginativo, mesmo quando nos relata o quotidiano. Porém, há cinema português a quem os parcos recursos proporcionados obriga a improvisar, a criar… talvez falando-nos com mais verdade da realidade.

Mais do que construir o que a câmara vai ‘olhar’, há um cinema português que explora as diversas possibilidades da câmara poder olhar o que todos os olhares podem percepcionar. E aí… existe Arte!

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Sabores



Trago na língua
o sabor de palavras
dispersas em romance, teatro e trovas,
espólio passado,
dádivas futuras…
trago em instantes contínuos,
sílaba por sílaba,
som por som,
infinitudes de sentidos e sentires,
entoados, clamados
e infindas vezes simulados
contra o sufoco da mordaça…
roubo à aurora dos amantes,
lágrimas choradas em sorrisos,
sorrisos tímidos de tristeza
e escrevo,
entre as sombras dos dedos,
a força desta língua
que trago na boca.


terça-feira, 18 de outubro de 2011

Abrigo em mim


Hoje, não quero ser coração migrante!
Cansado de ser voo sem poiso,
fatigado da pressa em não morar,
corro as portadas das ausências de mim,
fecho no meu peito a elegia que me escreve
e rechaço flagelos clamados pelo vento,
sento-me num degrau branco de silêncio,
provo um cálice de presente acídico,
peregrinação de murmúrios e ensaios
em que me procuro qual tentação
de ser mar brando sem ondas, nem marés,
na espera duma luz que me convoque
para a verdade refúgio dum olhar.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Meia-noite em Paris, de Woody Allen

imagem recolhida aqui


Praças, cafés, escadas, esplanadas, quiosques, margens do Sena, boulevares, tudo transpira romantismo, tudo respira passado, tudo é Paris. Talvez só os sonhadores o sintam, o adivinhem, o palpem, o anseiem.

Woody Allen confirma-o e consegue-o realizar. Depois da meia-noite… no tal sonho acordado de quem muito deseja. Ali junto ao Sena, num determinado banco, numa certa loja, num café, num alfarrabista, o passado vive. Paris respira Hemingway, Fitzgerald, Cole Porter, Picasso, Matisse, Dali, Buñel, Lautrec, Degas…

Woody Allen leva-nos nessa irrealidade, por vezes secreta, outras inconscientemente sonhada, a idealizados tempos unindo com surrealismo o hoje e o ontem. Woody Allen conduz cada uma das épocas com as certezas colhidas na outra.

O presente magoa. O passado atrai. Nele vive a Idade Dourada. Mas apenas até que essa revelação – a constante busca do passado – se consciencialize. Apenas até à decisão de dizer adeus ao passado.

Paris é luz, é romance, é nostalgia. Paris até pode ficar mais bonita, com chuva… Romântico? Talvez só os apaixonados o sintam…Mas Paris permite[-nos] sê-lo! Paris permite[-nos] amar! Porque o passado não morre… depois da meia-noite!


Contra-Vento(s)


Não é fácil governar o barco
quando dum lado sopra a ternura e do outro a aventura.

domingo, 16 de outubro de 2011

Regresso

© sowmya


Regressaste
na subtileza da partida,
com a surpresa da chegada
num sorriso sem nome,
no impulso da saudade
que chama,
apelo
ardente
ignoto
ou disfarçado…
regressaste
e declarei luto
à tristeza,
pus uma venda na solidão 
e acendo palavras
plantadas na terra
semeação
do teu regresso.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Palavras Liquefeitas



Guardo um ramo de palavras proibidas, a que roubo o perfume com que meus dedos passeiam em ti. Inebriada ficas sem saber se te escrevo ou aromatizo. Um suspiro arredonda-se no silêncio declarado como cântico, enquanto desabotoas a partitura para que te componha a proibição da minha boca. Mas no aproximar dos lábios, impacientam-se os sentidos e embargada queda-se a razão. Entardece para calar as palavras. Perante o bálsamo da vicinalidade, a essência do que não deveria ser dito exulta na insurreição da volúpia.

Telegrama


Esqueço a sombra nos teus passos
para que não emudeça o eco das horas!

terça-feira, 11 de outubro de 2011

A/on_dular




Procuro,
nas ondas do teu cabelo,
abrigos de ventos esquecidos
oscilando da memória para o convite,
revolvo entre algas,
com a doçura da surpresa,
areias de sangue adormecido
submersas sob a voz exaltação
e descubro
a dolência do sorriso sonhador,
na magia dum céu serpeado,
preenchendo o mar de estrelas.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Oferecer-me...


Contabilizar ou evocar o quanto me ofereço, poderá significar que a dádiva não será um prazer total ou estará infectada de sacrifício!

terça-feira, 4 de outubro de 2011

"Demasiado" *



Pouso-te
qual ramo
em que me [te] ofereço
sobre o leito
cheio pelo luar
e…

levitamos
aluados
na atracção
dos corpos
soberanos
do planeta
perdido(s) nas horas
de amor!


* palavras inspiradas no desenho de Leila Pugnaloni que aqui se publica

Proximidades

© Zoomdak


Cruza-me num oceano
a proximidade do infinito,
solta-me o vocabulário das línguas
nas asas das aves em demanda,
ensina-me o silêncio do sal
arrebatado pelos dilúvios sem pátria
e quando o teu olhar se fechar
sob o ocaso tardio dos braços,
segura-me na rota de descobrimentos
a sedução dos mares por navegar.

... erguer-me-ei, então, falésia
na erosão da tua saudade.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Lua_Mar


Devolve-me a comoção das palavras
adormecida no vácuo da ausência;
dá-me a adivinhar
a sobrevivência da estrada
como nas noites de maré vaza
em que o teu chegar é luar
antecipando o cântico dos corpos.
Escreve-me poema
nessa partitura de areia
em que te compões
… para mim.

domingo, 2 de outubro de 2011

Beijo em forma de palavras



Na coragem dos lábios
a força das palavras,
a sílaba dos segredos,
o idioma dos beijos…
traduzo
o silêncio secreto do que escrevo
na cobiça dum denodo molhado
que nos meus se resolva.