quinta-feira, 30 de junho de 2011

Um lar



Quero um lar
onde meu corpo
não corte o vazio,
nem minha voz se perca
em monólogos submersos,
nem meus pés descalços
ecoem em avenidas de solidão,
nem o cansaço se desfaça
na fadiga do silêncio,
nem as horas sejam
encontros de passagem,
nem a madrugada se revele
mentira duma noite de amor.
Quero um lar
onde o aconchego dum abraço
seja certeza dum sorriso
chamado amanhã!

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Cegueiras


Tão arriscado quanto cegar no amor,
será querer 'amar' cegamente egoísta!

terça-feira, 28 de junho de 2011

Ninho


Roubei
de um ninho de palavras
o poema
que faço teu,
a palavra mãe
vem perturbada
recuperar seu filho,
desconhece
que o coração ao abrir-se
deixa voar a escrita.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Egoísmo

© Diego Baroni


O egoísmo é mais maléfica arma anti-amor!

domingo, 26 de junho de 2011

Sem acordar

© Branka Kurz

Antes que o dia desabroche no mar
vem fazer-te leme da noite
que em vagas me alaga o leito,
na tua boca ensina-me o navegar
onde as rotas perdem memória,
à minha proa encosta teu peito.
E se a_manhã quiser acordar,
no meu corpo faz-te maré,
na minha areia vem rebentar,
até que em ti perca o pé.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Sonhos de areia

O dia
esqueceu-nos no pôr-do-sol
em que o mar se doa à terra,
as gaivotas transladavam
réstias de claridade
para o acordar de outros céus,
nas dunas vestimos as areias
com as peles que desnudávamos
e o meu corpo foi poema que o teu quis ler,
fui troço de universo que quiseste abraçar,
foste sonho de amanhã,
paisagem por desbravar,
na tua rede enredei meus remos,
fiz-te endereço do meu lar…
hoje,
no refrão dum caminho sem ti
dedico-me canção
a esse tímido pedaço de fé
que em ti me escrevi!

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Desde a Primavera...


Não te vejo desde a primavera!...
os troncos então em flor,
hoje vergam-se de frutos,
as aves procuram sombras
fugindo dos céus que rasgaram,
as planícies amarelaram
o verde que vimos despontar,
o sol que nos alargou os dias
derrete prolongados adeuses
na espera das nossas noites,
os sonhos que juntos regámos
anseiam pelo som das asas
e até os ribeiros que nos banharam
dizem ter sede dos nossos corpos…
  

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Brisa


Trago-me numa palavra crua
guardada na estepe da solidão,
luz incandescente no peito
duma garganta suspensa em nó.
Tenho-me folha debutante
assomando nos lábios findos,
intérprete de versos em risco
no pasto de beijos moribundos.
Espero-me na trama do silêncio,
em frágeis hesitações de melodia,
quero ser voz após a fadiga
na curva da tua primeira brisa.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Grãos de inspiração

© GilG

Colho a voz
no Outono do poema,
entre sargaços de versos
descubro a bruma
onde a solidão
se disfarça de noite,
oiço um rio
a que alguns chamam inspiração,
inspiro o silêncio
que alaga as palavras
e dou voz ao peito
onde a mágoa se acoita,
escondida dum vento
varredor de searas
por entre estrofes debulhadas,
ensaiando a nudez
do desejo,
tacto de novo cântico.

domingo, 19 de junho de 2011

Segurança


A segurança é uma cadeira onde o fulgor se senta... para esmorecer.

sábado, 18 de junho de 2011

Estrada de Sol

© cm

Há uma estrada de sol
convite para cruzar o mar,
caminho sobre as águas,
leito onde a estrela se deita.
Luz que se apaga!
Tempo que se adia!
Dia que termina!
Calendário que passa!
Na areia
os rostos salpicam-se de sal,
correm os olhares
mais do que os passos podem.
E nem sobra conquista,
apenas uma alagadiça sensação
de ter menos um dia
de vida para viver…

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Sombras


Nasço duma sombra
onde o tempo me escava vida
em pétalas de areia.
Pequenos grãos de esperança
varridos para o interior da folha
em que me visto
de praias dilaceradas
pelo mar de olhares que sonho
mas não vejo.
Serão sereias
o espaço onde as formas das mulheres
não cabem?...
E os seus cânticos
o segredo dos gemidos
sem sol???

terça-feira, 14 de junho de 2011

Em extinção


Agora que os abraços
são despedida
e o meu peito
porto que já não procuras,
agora que tua vela se abre
ao sopro de outros ventos
e os meus sonhos
já não te servem de bolina,
agora que novas marés
te estimulam o navegar
e demandas diferentes mapas
com pontos de que não sou cardeal,
apanho restos de sorrisos,
espalhados pelo chão
e escrevo um álbum de memórias
que a eternidade esquecerá.


domingo, 12 de junho de 2011

A caminho do fim


Escrevemo-nos em camadas. Primeiro calculadas, dimensionadas, conjugadas. Depois com porções de pele sobrepostas por crenças, decisões, caminhos, necessidades, opções. Remendos em que crescemos e nos solidificamos. A idade rouba-nos elasticidade e moldabilidade. E a esperança é uma esteira esgaçando, na qual nos deitamos enquanto o acreditar se despe[de] em nós. A confiança é uma manta da qual restam cada vez menos pedaços. O tempo desnuda-nos o miolo progressivamente mais parco, preparando-nos para a urna final onde a derradeira camada sobre nós se fechará, afastando-nos definitivamente do sonho.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Ilimitação do Corpo

© Helena Gonçalves

Na simplicidade do vazio,
o foco
antecipa o movimento
livre
em busca das fronteiras do corpo
sem limites,
crucificado
pela água,
na água,
endurecido
mas pulsante,
pulsos
latejantes,
asas,
ave,
cisne
no seu pedestal,
em dias maus,
que crescem para semanas,
que crescem para meses,
um ano
mau!
mau?
rei
edificando seu trono,
autoproclamando-se,
autocoroando-se…
num discurso mudo,
surdo,
incompreendido,
incompreensível
até ao desnude
do pensamento que se move,
movimento que pensa,
só o pensar não tem limites,
por isso o movimento não pára,
pensa
corpo sem limites
para além das fronteiras do movimento,
rei
do palco!


* "The Old King", de Miguel Moreira e Romeu Runa, por Romeu Runa; dias 9, 11 e 12 de Junho, no Teatro Camões


quarta-feira, 8 de junho de 2011

Eu queria-te língua


Eu queria-te língua
perto da minha boca,
para molhar as palavras
que me secam
nos lábios de sede…
talvez assim
o poema
te fosse beijo!

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Segredos em degredo


Deixei pelo chão
ilhas de segredos,
pequenos rochedos
no teu trilho para o meu coração.
Ofereci-te as horas
para trepares a minha muralha
e encheres de presença
o meu tempo.
Confiei-te as chaves
para me [re]abrires em futuro
e fiz dos dias teu soalho
para ser sombra do teu corpo.
Construíste-te castelo dentro de mim,
d’amurada da tua vontade
lanças-te em cordas para te salvar,
mas deixas que correntes te prendam
em esconderijos por desvendar,
lúgubres espaços ocultos,
fragmentos de vida a que não pertenço,
destino dos sorrisos em degredo.

sábado, 4 de junho de 2011

Cura


No teu corpo
abandonado,
deito o meu
magoado,
nas tuas feridas
curo minhas chagas,
no teu deserto
deposito minha sede
e em fome
és-me alimento.
Quando a solidão anoitece
na pele que despes,
são minhas
as carícias que acordas
para te vestir de prazer
a vontade que acompanho!

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Distâncias

© Cwithe

Distantes,
tornam os dias,
os caminhos dos nossos passos…
ao encontro, porventura,
dum tempo
onde as mãos não se toquem,
os lábios não se beijem,
os peitos não se amarrem,
as horas não se comunguem,
nem as palavras se leiam…
um destino, talvez,
onde as memórias recuem
à época que não chegámos a ser
o tudo que poderíamos ter sido
se fossemos hoje
um caminho
onde os passos não se distanciam
tornando os nossos dias
destinos desconhecidos.