quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Num abraço *



Fica nesta pausa
que o meu corpo roubou ao tempo
por saber que irias chegar
com o cansaço das marés,
com o fastio das luas,
pousar,
dum voo regressado,
no ninho
em que o nosso amor
se recolhe
quando a vida corre veloz,
mas o Mundo se confine
a este abraço
em que te pouso
para me pausar.



* inspirado no desenho de Leila Pugnaloni



Em_Tronco




Todas as noites a desejo.
Em algumas me elege.
Todas as noites em que se oferece,
fazendo do meu corpo sua fonte,
possuo-a com o Verão em que me consumo.
E vejo-a levar-me palavra a palavra
os versos amarrotados pela saudade,
deixando-me a alma vazia,
pendurada num tronco
despido pelo Outono.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

O dia em que nos perdemos *




Havia uma estrada
por onde fugimos,
subindo degraus de fogo,
enquanto as sombras
estreitavam o caminho…
e só uma candeia,
que se antecipou à noite,
nos viu desaparecer
antes que os telhados
fechassem o dia,
em que nos perdemos…

* inspirado em 'Anoitecer...'

domingo, 26 de setembro de 2010

O gosto dum gesto


Um gesto ou um gosto,
um toque de que gosto,
um afecto bastante
que não chega a gosto,
porque o Verão já lá vai
e com ele a visão afecta
dum sorriso na face
que toco sem gesto
… mas com ímpar gosto.

sábado, 25 de setembro de 2010

Transição revertida


Ensina-me o Outono
em beijos caindo dos teus lábios,
num peito que se despe em abraços,
num crepitar de carícias
que vendes em pregões de sedução.

Mostra-me o Outono
e eu te direi o Verão.

Mostrar-te-ei a longevidade dos dias
nas noites quentes de paixão,
dourar-te-ei a pele arrepiada
em areais cálidos de desejo
e o teu olhar será um pôr-do-sol prolongado
na poesia fundida em que te nomearei.

Cobre-me com o teu Outono
quando te despir no meu Verão!

Declaradamente sóbrio



Valerá o preço a pagar por instantes de alucinação, ilusão, delírio, inebriamento? 

De que se foge quando queremos ir mais longe do que são os nossos limites naturais? 

Em consciência reforço o meu caminho: sóbrio sempre! 

Se alguém quero ser, sou eu!!!

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Pensamento


A verdadeira poesia é a que se escreve com pétalas arrancadas à vida

"Algibeira sem forro"

imagem recolhida aqui

“Trazia o Bilhete de Identidade na algibeira de trás. Deve ter caído… o que vale, é que toda a gente sabe o meu nome”

Eram três. Todos com o mesmo nome: Fernando. Aconteceu na passada quarta-feira, dia 22, na antiga livraria Buchholz, na Rua Duque de Palmela, em Lisboa. Fernando Dacosta, Fernando Arrobas da Silva e Fernando Tordo. Um escritor e ex-jornalista [conforme fez questão de esclarecer], um advogado e um compositor/poeta reuniram-se para falar. De quê? Das suas identidades, sem dúvida. Quando se fala do que se sente, do que se pensa, do que se vive[u], será impossível não revelarmos a nossa identidade. Três homens, ao longo de quase hora e meia, contaram histórias, reavivaram memórias, arrepiaram sentires.

O moderador João Morales lançou o mote perguntando onde estava, cada um deles, quando Fernando Tordo venceu o Festival da Canção, em 1973, com “A Tourada”, uma das muitas co-autorias com José Carlos Ary dos Santos. Foi o caminho para se falar da censura, de como a contornar, do que era o jornalismo antes do 25 de Abril, de como era obrigatório estar perante as câmaras da RTP.

Fernando Dacosta alagou-nos com as suas vivências e convivências com grandes vultos da literatura e do jornalismo como José Cardoso Pires, Baptista-Bastos, José Saramago, Raul Rego, Natália Correia. Transmitiu-nos o seu olhar sobre o País actual, sobre a recusa de muitas cabeças com elevado responsabilidade nacional em aceitar que Portugal é um País com muitos séculos de História e com as mais antigas fronteiras no espaço europeu. Fez passar uma mensagem de esperança, crente num povo que tendo sabido ultrapassar inúmeras situações de crise, conseguirá seguramente superar o momento actual que apelidou de ‘pastoso’.

Fernando Arrobas da Silva, recorrendo à sua especialidade, tentou justificar porque o poder judicial passa incólume às mudanças de regime e de ideologias políticas. Mas também contou histórias. Daquelas que estão nos bastidores do que chega à imprensa e conhecimento público. Cativou com pormenores policiais, de direito, mas também de humor. Nas suas próprias palavras, contou-nos uma novela baseada em factos reais e que terão justificado a sua passagem pela SIC, como convidado permanente do programa “Casos de Polícia”.

Fernando Tordo tem, quanto a mim, o poder de encantar e emocionar quando conta as suas ‘histórias’ e levou-nos a recordações dos tempos em que começou a trabalhar com Ary dos Santos, quando há quarenta anos atrás terá ido um dia, ali perto da Duque de Palmela, para ensaiar o “Cavalo à Solta”. Revelou-nos o fascínio sentido pelo poeta quando, ao fornecer-lhe a terminologia das corridas tauromáquicas, Ary dos Santos soube que havia uma figura intitulada de ‘inteligente’. Nas palavras do compositor, o poema terá corrido tal era a vontade de poder ‘brincar’ com o ‘inteligente’. Fernando Tordo põe a vida no que escreve, no que compõe, no que canta, no que conta. Fala de si sem cuidados. Expõe-se. É quase impossível não nos sentirmos tocados pela comoção perante episódios tão simples, mas tão magnânimes, quanto o que narrou sobre um telefonema da sua filha em que lhe transmitia, nesse dia, ter sido identificada com o seu irmão, João Tordo. A felicidade do pai ao embevecer-se com o prestigio que o seu filho vem alcançando.

E foi a cantar os seus filhos que Fernando Tordo encerrou esta tertúlia em que todos os que tivemos o privilégio de estar presentes, encontrámos um pedaço dos Bilhetes de Identidade destes três Fernandos. Como se estivéssemos num encontro de amigos, repartindo cumplicidades.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Quando a noite... *



É quando a noite desce
que mais me dói
o espaço,
esse vazio desabitado
no meu peito,
onde o sol
já iluminou,
já aqueceu,
já o foste…

É quando a noite se aninha
nas paredes do meu quarto
que me acerco da janela
e contemplo a Lua,
nessa atracção pela Terra,
onde me deixaste
em pé.

Sinto-te,
ainda,
comandante das minhas marés,
nessa lua
em que levas o coração
de que me despeço,
mas em que ainda toco…
quando a noite me lembra
que já partiste!




* inspirado no desenho de Leila Pugnaloni

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Lembras-mo?


Tenho medo
que um dia acordes
e me digas:
«Já não sei voar!»
E eu,
que nunca soube
a linguagem das aves,
espasme de perplexidade e inércia
esquecendo terem sido minhas
as asas em que sonhas…

Lembras-mo?
… se um dia, eu sentir medo,
no teu acordar…

terça-feira, 21 de setembro de 2010

"O Papel da Segunda Pele", de Vera Castro

imagem recolhida aqui

Lembro da Vera o seu carácter discretamente meticuloso, pormenorizado e perfeccionista. Algo que, para mim e não se me pergunte porquê, assentava na perfeição, na sua figura adelgaçada. Uma ilusória fragilidade cobria uma personalidade tenaz que, por sua vez, se dissolvia numa delicadeza e cuidados cristalinos. A Vera deixou-nos em Fevereiro passado, mas não o fez sem nos herdar com uma obra: O Papel da Segunda Pele. Numa edição da editora ‘babel’, este é o legado que Vera Castro passa aos que, ao contrário dela, ainda não concluíram as suas breves passagens pela vida. Na passada segunda-feira, dia 20 de Setembro, decorreu no Jardim de Inverno, do Teatro São Luiz, o lançamento formal do último projecto da Vera Castro, o ‘seu último acto’, nas palavras de João Lourenço, que a par de Miguel Honrado, Dalila Rodrigues, António Lagarto, Olga Roriz e Jorge Salavisa falaram das suas vivências com a Vera. Numa reunião de amigos, o actual presidente da administração da OPART enalteceu o altruísmo de Vera Castro quando nesta obra perpetua a memória de colegas de profissão como Nuno Côrte-Real e Jasmim de Matos, a coreógrafa enfatizou a introdução da própria Vera no livro agora publicado e a importância do mesmo para as gerações que transversalmente atravessaram a sua carreira profissional e artística. O antigo director do Teatro Nacional D. Maria II, também ele cenógrafo e figurinista, confrontou-nos com um questionar pedagogo sobre a importância do figurino nas artes cénicas e uma incursão conhecedora sobre o livro em que intervém enquanto um dos entrevistados por Vera Castro. Contudo, foi João Lourenço que apresentou o testemunho mais pessoal, mais vivo, mais emotivo de quem foi Vera Castro e do que representava para ela este seu derradeiro projecto. Memórias emotivas da mulher que vestiu o teatro e a dança, em Portugal, e fez questão de herdar a cultura portuguesa com uma obra sobre o figurino, para que uns lembrem e outros se documentem. O testamento duma mulher ‘sem idade’, simultaneamente uma homenagem aos que, com ela, partilham a aventura de desenhar a segunda pele que os intérpretes vestem, nos palcos, para seduzir plateias. Bravo Vera!

Arquipélago de dias


Espaçam-se entre si os dias que fazemos nossos.
Ilhas isoladas no oceano do tempo,
que nem em arquipélago se conseguem manter,
no calendário que não escrevemos,
esquecemos!

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

"É teu!" *



“É teu!”
disseste-me um dia…
e ofereceste-me essa vontade,
que fizeste minha,
de ser meu
o coração que é teu.

Batem na minha mão
as inquietudes que não seguras,
voam os sonhos que não susténs,
ferem as dores que não dominas
e corre esse ritmo alucinante
de almejares antecipar cada chegada.

Sinto-te
ave desassossegada
repetindo voos extemporâneos,
debicando fragmentos dum ninho
que seguro na mão, para te consagrar.





* inspirado numa foto recolhida no Dia de inaugurações em simultâneo, em Miguel Bombarda [19.Set.2010] e que constitui um pormenor da pintura de Vanessa Chrystie, patente na Galeria Arthobler.

domingo, 19 de setembro de 2010

Para ti*



És a gota
em que me desprendi
mas que provo a cada dia.

És o abraço
de que me não solto
e em que me quero enlace.

És a corrida em que permaneço
para não ficar perto
do tempo que nos distancia.

És o sorriso
que abro no peito,
teu colo de tantos sonos,
prazer em que te enleio.

És o pedaço de mim
em que me ofereci
para que me faças futuro
para além do meu tempo,
para além de ti.


* porque hoje é o teu dia!

sábado, 18 de setembro de 2010

E... é tudo!


É com esse nada que me ofereces,
que eu teço os sonhos,
pois mais nada sonho
do que me teças
nesse nada que me ofereces!

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Ter ou pertencer...



“Não importa o que temos, o importante é quem temos. Tu não tens ninguém.”
                                                Agualusa, José Eduardo in Barroco Tropical


Não somos propriedade de ninguém. Não somos proprietários de quem quer que seja. Mas há presenças que nos completam e completamos. Começamos por ser filhos e pertencemos aos nossos pais. Mais tarde seremos pais e pertencem-nos os nossos filhos. São heranças de sangue que os maiores temporais não poderão desfazer. Os primeiros deram-nos a vida, aos segundos somos nós a dá-la. Só que no percurso de cada vida, há uma implacabilidade intransponível: os nossos pais, um dia, despedem-se da vida, enquanto os nossos filhos, um dia também, criarão a sua própria. A cada um de nós resta-nos ficar só. Ligados a estes laços, mas sós. Sem pertencermos a alguém. Sem que alguém nos pertença. Livres para poder migrar entre areais longínquos onde não pousamos, nem fazemos nossos, mas cada vez mais sós. E poderemos construir um reinado. Poderemos coleccionar o que a ambição material e consumista almejar. Mas estaremos sós. Ter-nos-emos a nós, argumentarão muitos… para nos sentirmos sós, responderei eu. É verdade que no leito da morte estaremos sós. Mas quanto valerá, nessa despedida derradeira, ter alguém que nos ouça dizer: ‘Amo-te! Foi bom ter alguém como tu!’?... Quanto não valerá pertencermos a um coração especial que nos pertença?...

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Círculo


Ignorando-te,
não me incomoda o teu esquecimento;
Esquecendo-te
não me dói a tua impermanência;
Lembrando-te,
consumo-me na saudade de ti;
Amando-te,
lembro-te que a saudade não me deixa ignorar-te
e esqueço-me que seria melhor não permanecer, nesta inquietude de amar-te!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Recolho as palavras



Recolho as palavras espalhadas pelo chão
quando os lábios se pediram em bocas,
testemunhos mudos
da noite esventrada pela paixão dos corpos;

      Recolho as palavras deixadas ao abandono
      quando a sofreguidão atropelou a confissão,
      segredos profanados
      por entre poros desflorados pela sudação;

            Recolho as palavras dispersas pelos lençóis,
            para escrever um poema
            com que vestirei a madrugada
            da próxima noite de amor.