domingo, 28 de fevereiro de 2010

Certezas


Batem à porta,
perguntam por mim,
espreito ao postigo,
respondo que moras aqui!


sábado, 27 de fevereiro de 2010

O Mensageiro


Poderá a morte ser uma notícia que se oferece num prato frio e insensível? Haverá preparação psicológica que contorne a revisita ao que se viveu lado a lado? É possível passar incólume à dor que involuntariamente se provoca, quase como se fosse, não o mero comunicador, mas o próprio assassino? Como cumprir princípios escritos com base na razão, mas que não viram na pele as valas onde a guerra enterra esperança, confiança, felicidade? Até quando pode o mensageiro resistir à necessidade de confortar aqueles que ‘agrediu’ com a notificação menos desejada?

O Mensageiro, de Oren Moverman, apresenta-nos a realidade da guerra por uma janela menos vezes aberta. Revela-nos a dor de quem é incumbido de levar às famílias a notícia da morte dum familiar, em combate. Mostra-nos o sofrimento de quem é confrontado com as mais díspares reacções, os mais inesperados ambientes. Ao sargento Will Montgomery é pedido que não reaja, que se limite a informar. É-lhe exigido, pela frieza e insensibilidade militar, que não lembre as feridas trazidas na pele, que não deixe sarar as memórias que ainda sangram.

Como pode alguém que não viveu, ensinar a viver? Só quem sente, reunirá condições para reger a emoção. Só quem experienciou a guerra poderá adivinhar a linguagem da morte, por ela provocada. A nós, os que temos a fortuna de nunca a ter vivido, restar-nos-á desejar continuar a sermos simples espectadores de histórias como esta, cuja continuação se adivinha para além duma porta, onde se partilhará a cicatrização das chagas sulcadas pela guerra que insiste traçar, a muitos, imprevistos rumos para a vida.


sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Não faças esperar o amor


Deixa o café na chávena
e o cigarro ser cinzas,
ignora as fases da lua
e as rebentações da maré…

Mas não faças esperar o amor!

Esquece as palavras na folha,
perde os primeiros comboios,
não contes as estrelas no céu,
nem vigies o florir das amendoeiras…

Mas não faças esperar o amor!

O amor tem asas invisíveis
e basta-lhe um vento de feição
para navegar em oceanos
a que nunca chegarás.

Não deixes o amor arrefecer
nem que se consuma sozinho,
não lhe permitas encher-se no vazio
nem rebentar num areal deserto…

Não faças esperar o amor!

Não o deixes ser escrita ignorada
nem viagem sem destino,
nem céu sem brilho,
nem ramada isolada…

Não faças esperar o amor!

Não queiras que te deixe à espera
em cafés repetidos,
em cigarros intermináveis,
em luas contínuas,
em marés indomáveis,
em palavras inócuas,
em comboios atrasados,
em estrelas incontáveis,
em primaveras por rebentar.

Não faças esperar o amor!

Não o deixes adormecer na demora!
Não arrisques deitar-te nele
quando for leito que já não te pertence.

Não faças esperar o amor!!!

Segredos confessados


Há quem consiga fazer-nos sorrir as lágrimas.
Enche-se de sede o peito, quando a sua presença é bebida que tarda.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Farol *



Perco-me no caminho
onde meus passos se encontram
num rumo sem destino.
Na orla da manhã
delimitam-me bermas
segurando as pegadas
que embebo em direcção ao mar.
Teu coração é meu farol
troando a cada vacilar
entre a melancolia e a confiança.

Do outro lado há essa imensidão
horizonte do teu sonhar
onde reina o teu olhar.
Em cada vaga que se ergue
suspendes a emoção
fundeada nos braços
presos à margem.
São teu farol
as palavras arremessadas
no vento indomável
que me exaure o peito.

'No fim da estrada'
há o oceano
e entre nós
um farol
que ritma os pensamentos
em chegadas a um cais,
perdidos nas marés
e atracados no regresso
de cada beijo.




* a partir da imagem No fim da estrada, de Sonja Valentina

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Pensamentos derradeiros


Quando a noite se vai deitar
só com amanhã posso sonhar

Aqui

© cm


Não sei…
se é uma chegada,
se uma partida.

O caminho que me trouxe
poder-me-á levar,
mas só quero permanecer.
Sei os passos que me guiaram.
Poderei escolher os que me conduzirão?
A chegada é recente,
para quando a partida?
Só quero demorar-me!
Aqui
onde o enamoramento plana
sobre um ninho construído
aqui
onde dois olhares
avaliam os trilhos
que aqui chegam, 
que daqui partem.
Sei quando cheguei,
não sei se partirei…
Quero ficar
neste lugar ermo
onde as nuvens
não encobrem as horas
ainda que não existam homens
para cumprir os horários.
Estou aqui
não sei se numa chegada,
se numa partida.
Sei que quero continuar…
Aqui
onde os cabelos
se enrolam em caracóis,
onde os sonhos
se guardam em estrelas
que um dia irão brilhar!

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Atrás do sonho


Fazia escuro quando o viu na sua frente. De olhos fechados. Sem tempo para lhe perguntar de onde viera, correu na sua sombra ainda que não houvesse luz para a projectar. Precipitou-se para o chão sem pensar o que calçar, com que se abrigar. Ou, inadvertidamente, percebera que iria caminhar sobre o algodão das nuvens… como melhor poderia sentir a textura do caminho que lhe iria ser aberto? Abriu a porta e partiu na sua busca sem avaliar o frio com que a noite a abraçaria. O breu do céu imiscuía-se no negro da estrada. O destino convergia no limite que o olhar alcançava, no horizonte perceptível sob o brilho artificial da iluminação pública. Para onde desaparecera? Ter-se-ia escapado para alguma transversal? Ou simplesmente dissipara-se? Entre pensamentos, estratégias e desencantos, sentou-se e não deu pelo dia clarear. Não sabe por que eternidade esperará… quantos desejos a tomarão para o ver real…


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Nas páginas dum olhar


Acho que Emerson escreveu algures que uma biblioteca é uma espécie de caverna mágica cheia de mortos. E esses mortos podem renascer, podem voltar à vida quando abrimos as suas páginas.
Por falar no Bispo Berkeley, lembro-me de que ele escreveu que o sabor da maçã não está na própria maçã – a maçã não se saboreia a si própria – nem na boca de quem a come. Requer um contacto entre as duas. O mesmo sucede a um livro ou a uma colecção de livros, a uma biblioteca.
Na verdade, o que é um livro em si? Um livro é um objecto físico num mundo de objectos físicos. É um conjunto de símbolos mortos. E então chega o leitor certo e as palavras – ou melhor, a poesia por trás das palavras, pois as palavras em si são meros símbolos – saltam para a vida e temos uma ressurreição da palavra.
(…)
Platão fala de livros num tom algo depreciativo: «Que é um livro? Um livro, tal como um quadro, parece um ser vivo; e contudo, se lhe perguntarmos alguma coisa, não responde. Vemos então que está morto.» Para tornar o livro uma coisa viva, inventou – felizmente para nós – o diálogo platónico, que enuncia as dúvidas e perguntas do leitor.
JORGE LUÍS BORGES in Este Ofício de Poeta, pág. 9, 10, 13, Teorema, Fevereiro 2002


Era um livro igual a tantos outros, no meio de tantos outros, numa prateleira duma estante que, por sua vez, era igual a tantas outras. Nada mais tinha do que palavras. Iguais a tantas outras. Palavras… sinais de escrita em quantidade finita, cuja arte se reserva aos que lhe concedem uma arrumação própria, pessoal e diferente das demais.

Uma vez por outra era retirado da estante e sobre as suas páginas passavam olhares fugazes uns, mais demorados outros. Sentia que as suas páginas ganhavam vida quando um olhar permanecia mais tempo e lhe personalizava as palavras. Voltava a ser arrumado e esbatiam-se aquelas ilusões efémeras de vida.

Um dia, umas mãos diferentes seguraram-no. Sentiu um olhar distinto sobre a sua lombada. Era especial a forma de o folhear. Havia uma vida diferente a dar sentido às suas palavras. Quando voltou a ser colocado na prateleira, sentiu-se único entre tantos exemplares, há tanto tempo, iguais a si.

Poucos dias depois, as mesmas mãos voltaram para o escolher, o mesmo olhar atribuiu novos significados às suas mesmas palavras e quando as suas páginas foram fechadas, sentiu-se ficar aberto para poder sentir cada raio de sol a beijar-lhe cada parágrafo, a iluminar-lhe cada linha, a aquecer-lhe cada vocábulo.

Aquela sinergia repetiu-se dia a dia. E ele empenhava-se por enfatizar cada palavra. A cada dia procurava uma nova cor para cada uma delas. A cada dia sentia rasgar-se-lhe um sorriso em cada sorriso secreto que nascia no peito daquele olhar que o lia e que a partir dele traçava voos onde só os sonhos sabem planar.

Deixou de ser devolvido à estante. Passou a ficar num local diferente, especial. Num local onde conseguia ouvir um bater ritmado duma máquina que, de tempos a tempos, se espaçava por força dum suspiro mais prolongado. Nas suas próprias páginas era possível testemunhar um pulsar marcado pelo fulgor, pelo fascínio, pela realização.

No silêncio permanecia um diálogo entre o que estava escrito e o acto de ler. Uma permuta contínua mantinha acesa uma chama entre as palavras que se desejavam lidas e o olhar que as desejava procurar… entre a necessidade de dizer que tinham sido escritas para aquele olhar e vontade de saber que eram unicamente para aquele olhar, as linhas ali impressas.

As suas páginas passaram a ficar abertas. Assim se detinha o olhar que as lia. Como se não houvesse tempo para desperdiçar. Como se cada segundo que não fosse consumido na leitura representasse uma perda irrecuperável. A ansiedade contava o tempo em falta para o próximo momento de partilha. Por mais repetidas que fossem as palavras, por mais duplicadas que as leituras se fizessem, renovava-se a vontade do querer dizer, do querer saber, do querer descobrir, do querer confirmar. Uma aprazível sensação confundia a realidade. Ter-se-ia o mundo encerrado nas suas páginas? Ou seria aquele olhar o do mundo inteiro? Nada mais existia para além daquela espontaneidade que mantinha tensa a ligação entre as palavras e o olhar. Não existia espera. Tão só a expectativa de saber quando chegar.

Uma noite, as suas páginas estavam, como em tantas outras, abertas na avidez de serem lidas. Passaram longos minutos sem que o olhar chegasse. Reprimiu-se em incontáveis razões para não se sentir esquecido. Obrigou-se a compreender, a tolerar, a admitir que se excedia nas esperanças com que assumia a realidade. Mas estranhou e não conseguia compreender por onde se esfumara o que ainda ontem sentira como necessidade. Temeu. Perderam coloração, sonorização, sabor, projecção, intenção, as suas palavras. Sem que percebesse porquê sentiu pobres as suas palavras que aquele olhar enriquecera. E ainda que as suas páginas se mantivessem abertas sentiu-se fechar numa história impenetrável, inviolável, solitária, não partilhável.

Sentiu-se frio e estéril quando o olhar regressou. Pressentiu procurar-lhe a vida que ficara distraída, mas sentia-se lenha húmida que tentavam atear. O lume tinha dificuldade em pegar. Havia uma vontade racional a tentar devolver o ardor ao que antes se incendiava por urgência. Não conseguiu restituir o entusiasmo das palavras à sede do olhar que o tinha mergulhado na insaciabilidade. Sabia que precisava da vida do olhar para que as suas palavras tomassem vida. Era nesse fogo que as suas palavras ardiam para aquecer o olhar. Como a lenha não arde sem lume, as páginas dum livro são um conjunto de palavras inanimadas se não sentirem a vontade de serem lidas. E um olhar passará sobre elas sem lhe descobrir a intenção de ali estarem porque foram escritas para serem lidas por ele. São os olhares que dão vida às palavras. Será na necessidade de serem lidas que as palavras se escrevem.

O testemunho das chamas

© cm

Quando o sono é uma ilusão da noite
acordado pela inevitabilidade das palavras…
Quando o desabrochar das pétalas é uma vontade
quebrante da película cristalina de orvalho
adormecida na madrugada…
Quando os dedos desenham
lagos de arrepios nas lajes das carícias…
Quando as horas estilhaçam
em minutos despertos pelo desejo…
Quando uma prece se extingue
no ofegar esgotado dos corpos…
Só as chamas testemunham
o ímpeto dos rios correndo
no fogo que os incendeiam.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Interrogação


Porque se mascaram de saudade as palavras que perderam urgência?...

O incêndio do silêncio


O silêncio varreu a seara, queimando cada rebento de expressão, desabrochado com a urgência do excesso num peito habitado pela paixão. Intempestivamente, o prado verde converteu-se num babel desértico e mudo. Amareleceram os vocábulos traídos na espera e moradores nas margens da corrente, onde fluíra a impetuosidade em que embarcavam sem indagar para onde eram impelidos. São cinzas ressequidas, as sílabas planando sobre torrões indecifráveis, soluçados e expelidos pelo nó da garganta, emudecida em rasuras de indecisões. Mais além, num cenário desfocado pelo humedecimento do olhar, uma palavra salta a cerca delimitadora da incineração. Miragem? Ou uma réstia de esperança em que, encontrada a réplica, o diálogo reacenderá a emoção?

Temo...



Poderão as palavras tornar-se desnecessárias?
Poderá ser desnecessário o dizer?
Poder-se-á ter o que não dizer?
Temo que um vazio no peito seque a boca,
temo a infertilidade da escrita e da voz.
Temo o adiamento inconsciente
do que tantas vezes foi urgente.
Temo o calar por não saber dizer
o que tantas vezes nem pensado foi
de tão necessário ter sido revelar.
Poderá o sentimento ser
uma ténue aguarela
esbatendo-se em memória
no tem[p]o?…

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Gosto dos rios...


Gosto dos rios quando correm intensos
tendo como meta o êxtase,
impetuosos alagando as margens,
não refutando dádivas,
saciando a sede das mãos que os contemplam.

Gosto dos rios que correm serenos
inspirando a poesia e o olhar,
lânguidos estendendo o seu querer,
como subtis adulações,
embevecendo o peito que inspiram.

Gosto dos rios que dormem no leito
confiantes na espera da mareagem,
desfraldados em abraços silenciados,
como um lar que se franqueia
na tensão dum colo enamorado.

Gosto das memórias que se escrevem
como limos nas pedras dos rios,
juncando a história com os ritmos
onde folhas espalhadas secam
na expectativa de serem colhidas
numa noite por adormecer.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Os sonhos



Como quem teme enfrentar a luz, os sonhos vivem na extensão dos silêncios que se abrigam nas palavras por dizer. Como reféns permanecem enclausurados num território hermético entre a esperança e a contenção. Ficam prisioneiros, mais do que da vontade, de universos que não se vislumbram. Crescem, arrumam-se, esquecem-se. Contraem-se perante as grades da razão. Ofuscam-se por detrás da opacidade do cepticismo. Num recôndito espaço dos pensamentos, teimam em não ganhar voz. Cativos dos segredos, abortam voos que imaginaram serem capazes de realizar. Até que um sorriso ilumina a parede exterior da cela onde se embrenharam. O calor da confiança aquece a pele do acreditar. Balbuciam as primeiras sílabas. Abre-se a portada da janela por onde a felicidade romperá frestas. E sustidos por uma mão a que se agarram, descerrarão pálpebras, enfrentarão a luminosidade e serão abraço comungado por quem alcançar o seu voo numa estrada rasando os céus da liberdade.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Sentires 'alheios' que me pertencem



Das palavras nasci e a elas volto quando as mãos e o olhar me encarceram nesta ausência em forma de cela.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Caminhos no tempo



Quero caminhar e sentir-te do meu lado!
Quero sonhar e saber-te do meu lado!
Quero viver e ter-te do meu lado!
Ao teu lado o tempo deixa de ter querer
e enquanto caminhamos, vivemos
e ao teu lado sonho que o tempo
não tem tempo para se esgotar em nós!


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Com as palavras na corrente

© Thomas v.K. Heimdal

É na presença da ausência que atravesso este nevoeiro de saudade
onde remo, com braçadas de palavras,
contra a corrente da ansiedade,
insistindo permanecer à tona da tranquilidade.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A despedida marcava o começo



Eram ténues os raios de manhã penetrando os múltiplos vidros da velha estação. Uma multidão de passos anónimos ignorava as histórias que aquelas lajes sabiam narrar. Obsessivamente rumavam aos destinos que o início de dia obrigava.

Incógnitos no meio da multidão, misturavam-se entre seres comuns que deixavam para trás uma antecipação de dia furtada às horas de descanso mais frustradas. De mão dada procuravam os segundos derradeiros que se esfumavam por entre os minutos que pareciam correr mais velozes que o tempo.

Pararam quando os destinos não conseguiram mais eternizar a comunhão dos passos. A despedida impunha-se. Antes do adeus, os olhares fixaram-se no anseio dum abraço que segurasse a não vontade da separação. Tornara-se curta a noite que se prolongara numa madrugada de céu encoberto, em que a luminosidade revelara a timidez de se introduzir como interruptora duma vontade que ia bem para além do hoje.

Num beijo final os lábios uniram o que o tempo teimava em apartar. A despedida marcava o começo.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Rapto



Roubo-te o olhar
que pousas sobre o mar,
fiel e eterno amante
traído pela tentação das palavras
surpresas por melodias,
idiomas de suspiros inspirados
e acordadas em memórias por construir.

Na pele seca-te o sal,
carícias de saudade
segredadas em incursões,
náufragas de incontáveis viagens
a que sempre regressas;
beijo-te o sabor dos poros,
como mel com que adoças,
em goles imprudentes, meus lábios secos de ti.

Escorrem de tuas mãos
areais desertos onde te sentas
na espera eterna do seu abraço,
preia-mar de sucessivos adiamentos,
contemplações retidas e suspensas
como fragrância liberta
na exalação da tua maresia.

Seguras-me o futuro
em cada nortada do querer,
impões-te como leme
no presente por atravessar.
soçobro, cedo e rendo-me
para nas tuas mãos suster
a paixão em que te raptei do mar.


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Caminho vazio


... quando não consigo escrever no silêncio as palavras à espera de resposta.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

A ilegibilidade no peito



Há momentos em que a incompreensão
se me embebe no peito
e não sei se a solidão trouxe a saudade,
se foi esta que se vestiu de isolamento…
como num remoinho de maré
obstruem-se os ventos que já fizera voar em impulsos
páro sem saber
se use os óculos,
a caneta
ou o aparelho auditivo,
sinto-me cego, mudo e surdo…

Há momentos em que o olhar do coração fica opaco
e os sentimentos se tornam rascunho por decifrar…
e não sei se a tristeza se escreve com sorrisos
se são as lágrimas que resolveram descrever a alegria…
chovem dúvidas
na planície fertilizada pela crença,
trovejam vertigens
na durabilidade do caminho…

Há momentos em que a loucura cega,
a leitura não reconhece a escrita
e as palavras são indizíveis.

Há momentos de incompreensão
que me habitam o peito…
serei ilha no oceano?...
ou o mar apoderou-se de mim?

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Com os olhos na pele



... quando o silêncio rasga uma estrada de solidão entre vontades erguidas no querer!

Ao luar



Despe-te como a lua
e entra pela mais pequena fresta
do meu desejo.
Banha com intensos feixes de luz
cada pedaço do lençol
onde me deito.
Com estilhaços de beijos
traça sulcos de ternura
na pele seca pela espera.
Deixa que as minhas mãos
sejam arado em descoberta
da virgindade duma nova noite.
Franqueia-me teu corpo
para mergulhar no abismo
de onde subirei em prazer.
Traz no cabelo estrelas
que me queimem em carícias
e com as cinzas de mim
planta uma seara de memórias.
Estende tua nudez  de mulher
no leito onde te sonho
e mostra-me que o vazio
é uma ilusão do querer[-te]!

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Paulo de Carvalho no Teatro da Trindade

imagem recolhida aqui

Num novo final de tarde, reunidos na intimidade da sala principal do Teatro Trindade, foi-nos proposta uma viagem de pouco menos de sessenta minutos por homenagens a autores portugueses e do mundo. Fomos levados pelo Tejo, passámos Abril, visitámos as sonoridades latinas, lembrámos memórias de há três décadas atrás e ainda demos um pulo a África.

Ouvimos as palavras de Agostinho da Silva, de José Carlos Ary dos Santos, do cubano Silvío Rodriguez, do argentino Atahualpa Yupanki, do autor/intérprete que pisava o palco e as melodias do compositor José Calvário. Da surpresa das palavras cantadas do filósofo, à confirmação eterna do poder da escrita de Ary, passando pela homenagem a dois autores hispanos, foi sem dúvida, em canções como Gostava de vos ver aqui, Flor sem tempo ou E depois do adeus que o público, enchendo a plateia e significativa parte do balcão, se reviu e participou de forma mais marcante.

Paulo de Carvalho sentiu necessidade de dar novas roupagens a canções que moram nas memórias com as sonoridades originais. Ainda que respeitando a vontade de actualização, não creio que seja necessidade recusar o que nos atribui o lugar que conquistámos. Muito curiosa foi a interacção do cantor/autor com o pianista cubano Victor Zamora que o acompanhou e nos premiou com interessantes incursões muito pessoais por temas que, como já referido, nos são extremamente familiares nas suas versões originais.

Ainda que significativamente aplaudido, não creio que Paulo de Carvalho tenha conseguido tocar profundo naqueles que ali se deslocaram, porventura, na expectativa de recordar. Considero ainda desnecessária a veemência duma constante referência, em tom demasiado contestatário, à indiferença com que se sente tratado na actualidade. O final chegou com um coro ampliado relembrando Os meninos de Huambo.