quinta-feira, 13 de março de 2014

"Orfeu e Eurídice", de Olga Roriz, pela Companhia Nacional de Bailado

© CNB, Rodrigo de Souza [intérpretes: Filipa de Castro e Carlos Pinillos]

como um vento,
um rodopio de pensamentos
seduz-me e verga-me.

na crucificação da atracção
o grito toma corpo
numa dialéctica de lamentos.

há uma prece
e uma súplica de sangue
e um nome feito voz
em mortalhas de memória
por despir,
ecos do meu querer
feito pranto.

elevam-se voos de feminilidade,
bordados em mel
e na amplidão de asas.

sobre o frenesim de violinos,
sussurros espalham-se pelo chão
em pulsar universal.

desenha-se um círculo de âmbar,
sinto o intangível,
na ausência de ti
construo-te presença
em que só a pele te sabe
aroma recuperado,
abraço impraticável.

no reino de Hades
há jogos de invisibilidade
e cantam os anjos
serpenteando ,
por entre o vibrato das cordas,
a permissão de felicidade.

carregar-te-ei
rumo à vida.
segue-me! segue-me!
segue-me até que a tentação nos condene
e a multidão,
elegendo-se juiz,
nos separar territórios.
dançaremos!
encandeados pela luminosidade
que nos é visão
e cegueira.

depois…
depois, num labirinto de espelhos
a demanda de um rosto
que personifique a memoração
e justifique o crer.
depois…
depois fugirei,
tanto quanto possa
até ao lugar da morte
e aí me finarei
iluminado pela lua,
a única que ousa
roubar-nos em luz,
o sol.


2 comentários:

Graça Pires disse...

Um poema que mostra bem como um bailado pode transfigurar as palavras. Muito belo o poema. Muito belo o bailado que também vi...
Beijo.

Isa Lisboa disse...

Vi este bailado e dou os parabéns pelo poema, que lhe faz jus!
Beijos