domingo, 10 de outubro de 2010

No vão do tempo



Escondia-se, todas as noites, naquele vão de escadas por onde a ausência não passava. Permanecia! Naquele espaço esconso fazia por esquecer a vida, que se esquecia de si. Conhecia os passos que se perdiam periodicamente, numa rotina inconscientemente repetida. Passos indiferentes aos estados de alma dum tempo que caía pelos vidros estilhaçados, lá no topo, onde o telhado marcava a fronteira com o céu. Passos carregados pela idade, arrastados na doença, dolentes em vida que se alongava para além do limite do prazer, embebidos em sacrifício. Passos dissonantes, marcando ritmos disformes, incapazes de lembrar o que já teriam testemunhado. Passos últimos duma escala que teimava não ser concluída. Passos sobrevivendo sem fulgor. Sabia-os de cor. Em que momento chegavam. Por quantos minutos se demoravam. A ordenação que cumpriam. Conhecia-os como escritos que se identificam, palavras que se adivinham quando a alma indica a emoção a transcrever. O cansaço falava mais alto quando todas as portas adormeciam. Caía então, irrecuperavelmente, no sono. Até àquela noite em que novos passos lhe violaram a dormência. Eram leves, enérgicos, corridos. Saltavam os degraus, como pequenas aves de ramo em ramo. Levantou-se para tentar escutar melhor… sorrisos segredados, segredos suspirados, suspiros apaixonados. Dois andares acima, os sons abafaram-se na porta que se fechou. Com decisão caminhou até à da rua. Abriu-a e sonhou!

1 comentário:

Mariana disse...

...e a vida comanda o sonho...