sexta-feira, 8 de outubro de 2010

No cerco da noite



Acerco-me da amurada onde as aves noctívagas vêm depositar os segredos saqueados a rostos viúvos de ternura que perderam os gestos em viagens que não fizeram. Farrapos de desejo salgados por marés de lágrimas e vazados no exílio da espera inócua por onde as palavras se toldaram com lençóis ainda marcados pelas dobras engomadas no sorriso da esperança. Cercam-me lanchas com olhares de outros corpos. Vejo-lhes as correntes, as algemas, os cadeados, na tensão das pupilas, nas garras das gargantas, na erecção dos peitos. Furto-me a esse vento que move os mastros despidos de velas. Escuso-me aos chamamentos e reparo num par de asas esquecido por uma das aves na voracidade de entregar o seu corpo à convocatória do prazer. Alo os meus passos para depressa alcançar aquela ilha onde uma estrela se abrigou da chuva de luz que roubou à madrugada. Vi-a descer sobre o areal e dourá-lo. A espuma descuida-se pelos dedos dos pés… Mas? É então que reparo ser um corpo de mulher acolhido de costas, pelos grãos arrefecidos na noite. Inerte. Tomo-lhe o pulso. Reconheço-lhe o ritmo porque corre a vida. Levanto-lhe as pálpebras e identifico a cor de avelã esverdeada, percorro-lhe a pele e sei o lugar dos sinais, das marcas deixadas na pele, das cicatrizes que singularizam um percurso. Conheço-lhe o odor. E quando os seus braços me envolvem e os nossos peitos se colam, sinto nossos corações compassarem-se em uníssono… sei que és tu! Abro os olhos e confirmo que nessa noite pousaste na minha cama, qual ave em busca dum conforto, não de um ninho mas das asas com que te ofereço a certeza do amanhã.

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