Sentou-se na mesa e estendeu o seu desejo sobre aquela folha
branca que já cortejara de soslaio. Como se num acto de contrição fosse
explorando a razão daqueles actos e compulsivamente confessando o incumprimento
das contenções a que o obrigava uma lei que adoptara como caminho de vida.
Escreveu como se o tempo duma vida precisasse ser derramado sobre aquela mesa
para ganhar espaço dentro de si, para tomar um novo rumo ou, como devido,
afastar-se daquele a que fora incapaz de resistir, mas não sabia se queria esquecer.
Escreveu sem saber se o fazia para se purificar ou se como
confidência a partilhar garantindo que o testemunho não se diluiria nas
memórias. Jogava palavras sobre a mesa como se fossem cartas dum baralho em que
apostara para ganhar, mas sem a certeza de o conseguir. Soltava-as sem pensar.
Na realidade, como fora incapaz de fazer quando sucumbiu ao que muitos chamarão
de prazer e alguns de tentação.
Obcecadamente escreveu como se as palavras não parassem e
atropelassem o cântico que se começara a ouvir como cenário musical inesperado.
Absorto não deu pelo tempo passar, nem pelo significado das badaladas que
ressoavam na torre da igreja.
2 comentários:
Esse que descreves, fica agora à espera que lhe digam os significados do que escreveu. Não se zanga por não fazer passar a sua mensagem de forma clarividente. Usa os reflexos da Lua que se dissipam nas ondas da água. Outros há que seguem o raio lunar até às areias do fundo, contando estórias com a precisão de cortes cirúrgicos.
in: Conversas de uma tarde no Norte
belissima prosa poética.
um beij
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