quinta-feira, 3 de junho de 2010

Estado d'alma




São longas e vazias as horas em que me quedo, qual página seguinte, na expectativa de pressentir os dedos humedecidos tocarem a página anterior, antecipando o olhar cego de desejo derramar-se sobre mim. Então sentirei cada palavra ser-me arrancada como o beijo há muito ansiado. Cada letra ser-me-á lida com a atenção dos olhares que se contemplam no deslumbre da paixão, como se aquilo que em mim me escrevo seja o segredo do universo, o sonho tantas vezes calado, há tanto tempo esperado. E quando houver necessidade de saber o que a seguir a mim se diz, ficará alguma mágoa em ‘passar-me’. Mas aquilo que revelei foi tão singular que falará mais alto a imprescindibilidade de voltar atrás e tornar-me futuro sempre presente.

Contudo, porque tal mais não é do que um devaneio perdido na solidão, quedo-me nesta jornada de horas longas e vazias que não se desenrolam. Permanecem imutáveis. E eu não sei se me esqueci das horas, ou se fiquei no esquecimento como a página seguinte dum livro, cuja leitura se perpetua num adiar sem horas para acontecer…

2 comentários:

Milhita disse...

Horas fundidas num tempo que nos descobre, perdidas num conto que é mais que agora...
Espaços nos contornos de um rosto que, nada dizendo, diz tudo!
Um abraço meu amigo

pin gente disse...

sinto-me poema. talvez um reescrito em páginas repletas de palavras indecifráveis.
sinto-me poema, mas não encontro o meu corpo em nenhuma página do teu livro. sinto-me poema, mas não me leio do já longo índice da tua vida.
queria voar nas mãos de um ilusionista, planar nas asas das gaivotas que falam de liberdade, sair da paixão do poeta que chora.
queria ouvir-me gemer a saudade quando estou só, viver as horas do tempo com a intensidade de um verdadeiro amor em carne e osso, beijar como quem ama pelos poros, saliva, lágrimas e palavras.
e amar-te demais, sem que demais nunca o seja.

um abraço
gostei muito do texto
luísa