terça-feira, 8 de junho de 2010

O postal que não escrevi


O sol põe-se lá longe, para onde a seara foge da noite. Um rebanho parece temer que as espigas se incendeiem, enxameando o céu e distanciam-se do horizonte. Oiço um galopar seco, mas não descubro a montada. Talvez seja o meu coração… Espero. No alpendre, alongam-se as sombras dum arvoredo que traçam linhas paralelas, na cal das paredes; silhuetas incógnitas que imprimem a sua presença como se decidissem ser réguas a orientar os limites do dia. Numa mesa, não muito distante, repousa uma taça envolvida em vidro. Roubo-lhe um recheio de fruta envolto em chocolate. Na primeira mordedura percebo ter-me equivocado na escolha. Eram os teus lábios que desejei sentir derreter na minha boca. Lá dentro ouve-se o movimento que prepara o jantar. Espero. O sol já não se vê quando um bando de grifos rasga o céu. Segue-o um cavalo em corrida determinada. Ou será um coração?... As cigarras introduzem a chegada da noite. Sinto-a acomodar-se no meu colo. Passo-lhe a mão pelos cabelos que não existem. Espero. És tu que, à noite, te deitas em mim. Oiço risos lá dentro. Os talheres e os vidros ensaiam um recital não composto. E eu espero. Que me chames. Para dentro. Para me acordares deste sonho. Onde te espero.

4 comentários:

helenabranco.poet@gmail.com disse...

Hoje
só um olhar puro
para me comover
Um acto subtil
senão um tropel
que me agite
uma vontade que grite
estilhaçe
Quero um abraço!
espaço
onde me enrodilhe
o cansaço...

Para o POETA dos sentimentos

Marta disse...

lindos!

devo dizer: tanto.

Moon disse...

"Estranho" :)... ter gostado tanto deste conto sem início nem fim. Um momento escrito cheio de lugares na vida de cada um de nós.

Zaclis Veiga disse...

muito, muito lindo