segunda-feira, 22 de março de 2010

O sabor da memória


Quando o olhar me lambe a memória com a mesma língua que passei na tua pele, há um sabor doce na saliva, qual espuma que se espalha sobre as pedras escondidas entre as rochas. Cobre a neblina a voz da maré, como a vontade se inibe na luz do dia. É a razão farol timoneiro de avanços calados nas mãos e esmagados pelos dedos. Abraço-te o corpo na solidez de cada penedo. Partem em sonhos histórias onde voaste e prendo-te no calor com que te faço tarde derretida seduzindo recifes. Aspergem-me em dúvidas as vagas desconhecidas em que te adivinho. Que serei eu mais do que porto ansiando a tua chegada de embarcação atracada confirmando o lastro? Não sou luz, nem norte, tão só horizonte onde a verdade e o sonho se tocam. Quando a noite transpôs o tempo, os passos ousaram chegar mais longe e os corpos dobraram o cabo. O desejo ergueu-se sobre a referência iluminada e os olhos da razão foram vendados pelo tocar das mãos nas muralhas da resistência. Soltaram-se os mantos para exalar o sal da pele e o fogo abraçou a ondulação. Uma língua de mar toca na minha memória e há um odor de ti na praia duma história em que me escrevo.

1 comentário:

Tia [Zen] disse...

Maravilhoso... tão doce.